domingo, janeiro 28, 2007

Se

Você disse que não sabe se não
Mas também não tem certeza que sim
Quer saber?
Quando é assim
Deixa vir do coração
Você sabe que eu só penso em você
Você diz que vive pensando em mim
Pode ser
Se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se
Eu levo a sério mas você disfarça
Você me diz à beça e eu nessa de horror
E me remete ao frio que vem lá do sul
Insiste em zero a zero e eu quero um a um
Sei lá o que te dá, não quer meu calor
São Jorge por favor me empresta o dragão
Mais fácil aprender japonês em braile
Do que você decidir se dá ou não.
Djavan
Lúcia não sabia mesmo. E afirmava veemente a sua dúvida, um dogma ao qual outrora se quis agarrar por uma ou duas vidas. Dizia que não sabia se não, senão nunca teria a certeza se sim. Dizia. Medo de se agarrar a uma falsa hipótese, talvez. Berrou-me muitas vezes que a partir do momento em que deitasse o se ao lixo, em que deitasse tudo o que a agarrasse ao futuro contra a parede (já Maria lhe dizia para preferir se arrepender do que não existiu do que do que se estragou)... O prazo acabava, chorava Lúcia. Eu gosto de pensar que não. Acredito mesmo. Eu levo a sério e disfarço, é instinto. Puro instinto. As palavras de Lúcia, enjoativas e quentes, escapavam-se como o vento do leste no Verão, inadequado e invejoso. E Lúcia chorava as águas de Março, dilúvio e monção. Benção, talvez. Ela nunca quis um a um, quiçá um e um. Por vezes sonhou mesmo querer ser quase dois.
Pois que sonhe.
Pois hoje é noite, mas noite menina.
Pois hoje é tarde, mas o sol não se pôs 'inda.
E amanhã vai ser dia, Lúcia.
Amanhã vai ser dia.
Fibonacci

terça-feira, janeiro 23, 2007

Conversas Paralelas

«Moving forward using all my breath
Making love to you was never second best
I saw the world thrashing all around your face
Never really knowing it was always mesh and lace
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you
Dream of better lives the kind which never hate
Dropped in the state of imaginary graceI
made a pilgrimage to save this humans race
Yes I did
What I'm comprehending a race that long gone bye
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you
The future's open wide
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you, yeah
I'll stop the world and melt with you
I'll stop the world and melt with you, yeah, yeah»
Nouvelle Vague
Faço minhas essas palavras. Completamente e absolutamente reais. Perco a capacidade de voar, talvez. Mas isso já não é assim tão importante. Ouço-os, ultrajam-se. Comovida, peço as mais cínicas desculpas. Que desculpas?
Não falo, não levanto a cabeça, numa ressaca tremenda e emocional. Apostei a minha vida na cadeira dourada e na pista de dança. O futuro sei-o tremendamente bem, debaixo das luzes que piscam. Mas o amanhã torna-se a maior incógnita.
Eu podia parar o mundo. Já viste a diferença, e cada vez se está tornar melhor.
Não te atrapalhes, eu não gosto do sentido conotativo. Denoto tudo e cada coisa que dizes. Ou pensas.
Não te desculpes, estragas a magia toda.
Fibonacci

domingo, janeiro 21, 2007

Não vês?

«Não vou mentir pra mim mesmo acreditando
Que uma música é capaz de expressar tudo isso
Não vou mentir pra mim mesmo acreditando
Mas eu preciso acreditar na comunicação
Mas eu preciso acreditar
Não há melhor antídoto pra solidão
E é por isso que eu não fico satisfeito
Em sentir o que eu sinto

Se o que eu sinto fica só no meu peito
Por mas que eu seja egoísta
Aprendi a dividir as emoções e os seus efeitos
Sei que o mundo é um novelo uma só corrente
Posso vê-lo por seus belos elos transparentes
Mudam cores e valores mas tá tudo junto
Por mais que eu saiba eu ainda pergunto»

Gabriel, O Pensador
'Tás a ver?
São os efeitos da comunicação, é tudo o que digo e não digo. Não, não é um antídoto para a solidão. São achas para a mesma fogueira.
Como pude sempre pensar que me bastava entornar os restos do que sinto para o que finjo que comunico? Comunico a mim própria, na melhor das probabilidades. E mesmo isso é como desterrar paciência para ouvir tudo o que nem a mim quero contar.
Como pude ficar satisfeita com isso? Como pude achar que era melhor escrever-te que dançar-te? Como pude?
Por mais que eu saiba, que não sei; por mais que eu olhe, que não olho; por mais que eu pergunte, que não pergunto; por mais que eu ria, que não rio; por mais que eu viva, eu não vivo nesta redonda dimensão achatada.
Se viver, eu vivo fora. Se voar, eu vôo raso. E alto e plano e sinto o vento como uma benção de quem não é mais que asas.
Para mim mesma eu já não minto.
E é por isso que cada vez fico menos satisfeita a sentir o que sinto se tu não sentes a verdade.
Porque sabê-la... isso tu sabes.
Fibonacci

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Nem chegaste a partir

De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
David Mourão Ferreira
«O fado é uma história. É dor a lacerar, e a profunda esperança de que o mar nos traga mais que levou.
Uma história e uma mulher vestida de preto. São loucas! Encontras, mesmo que não queiras, a tua história. Ou a minha. E só porque quem canta uma história assim, sempre acrescenta o que é. Saudade. Passado, não. Porque em todos se repete sempre a mesma história, como um presente repetido e irrepetível.
É como tudo, aprende, tu nem chegaste a partir. Eu sei, meu amor, nem tu nem eu fomos a lado nenhum. Rodopiamos talvez. Enjoamos, doentes alucinando no mar e no fogo mortiço. E nos batuques mornos na sua contínua sístole e diástole, a marcar o tempo das ondas e das velas.
Mas dentro do teu peito, estou sempre contigo.»
Mariza, live in London
Fibonacci

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Oráculo de Delfos

Demoras inexplicáveis e balbúcios como desculpas. Obrigatórias por natureza, indesculpáveis por educação.
Ruído da porta a vociferar e um pé a bater.
«Uma dor intensa apropria-se do apêndice da Personagem nº1 (que ainda não tem nome, pois é demasiado importante para ter já um nome). Não, nº1 já não tem apêndice, já estragou a outra peça, afinal foi à Ana, originalmente nº16, que já tem nome porque, claro, é a nº 16 e não precisa de um nome demorado como Coríntia.
Coríntia!
Personagem nº1: Coríntia sem apêndice.
A porta bate outra vez. Alguém saiu a chamar alguém que nunca vai chegar a entrar. Nº 1, perdão, Coríntia de pé.
Corinto de novo.
Labda dará à luz a pedra que derrubará os que governam e endireitará Corinto.
Não foi pedra, foi Pedro.
Mas Coríntia está de pé.
Quem caiu, afinal?
Aquele que foi chamado e nunca devia ter entrado, entrou. Personagem nº 17: Labda, a mãe e a arca desaparecida.
Tragédia.
Tragi-comédia.
Riso infernal.
O FIM.»

E aquelas palavras que me prometeste?
As outras duas que deixaste cair não contaram. (Anulavam-se uma à outra, o céu e o mundo.) Não sei que te atrasa. Afinal nenhum dos dois se apercebeu, nenhum viu nada. (O tanto sonhado passou despercebido, inebriado de fumos e calor). Desde já desculpa a interpretação exagerada de quem disseram que era cego. Daqueles cegos que vêem demais.
Cara a cara, muito literalmente, nariz a nariz, mãos e um olhar líquido. Como Coríntia. Despedida do que nunca assistiu por um puro arrependimento azedo. Beijo de Judas.
Ritmo de lábios selados.
A lacre.
Vermelho.
Tiraste de mim as palavras para reinventar a história desacreditada de quem acreditava em profecias que se cumpriam. Dos tempos imemoriais em que os nossos antepassados cumpriam o que desenhavam e falavam a cantar sobre homens maiores que os homens e mais fortes que os deuses.
A peça jaz inacabada e apenas uma pessoa chora, a personagem número 17.
Dá-me essas palavras, eu nem preciso delas. Deixa-me fazer nascer o inascível.
Fibonacci

domingo, janeiro 07, 2007

Perspectiva

«Everybody says I'm a lonesome kind of guy
I've been defeated by them all
If they can find me
I'm done
Everybody knows that it really doesn't matter at all

Everybody says I shouldn't mess with you no more
If you see me on my own
Drive on

If I were dismissed
I would've gotten much more
If I wasn't that kind I wouldn't care at all
Sooner or later
Sooner or later
Sooner or later
I'll change my whole perspective»

Phoenix
Toda a gente sempre me disse para fazer tudo, que tudo era o melhor que poderia alguma vez fazer. Derrotaram-me, reconheço. Tudo agora é muito e muito e tanto tempo lançado ao céu, à noite, às nuvens, no dia em que não se vê bem o infinito. E esse tudo agora é desculpa para tudo.
Não era bem melhor?
Toda a gente sempre sempre me disse para não mexer mais na ferida aberta.
Escandalizo-me.
Eu nunca. Eu tudo. E por dentro rejubilo, primeiro. Se toda a gente diz, tu pensas. Mas depois, páro o contentamento ironizado e as falsas comoções tossidas. Tu não pertences a este mundo, como te podes aperceber? Aposto que alguém roubou esse pronome (que deixou de ser comum a partir do momento em que me apeteceu que fosse só teu).
Ninguém diz que sou sozinha, eu. Eu e mais ninguém. E ninguém diz mas eu sei. E não gosto, claro que não, e sei que se não fosse eu era tudo bem melhor. Gostava mudar a minha perspectiva, mais cedo ou mais tarde, ser o que toda a gente diz que sou. Mas não sou.
Chamam-lhe trauma.
Vou rir.
E eles nunca irão saber que eu concordo com eles.
Já contigo é diferente. Não sabes. És de outro mundo, claro que não sabes. Mas mal voes daí comigo vais perceber.
Vou rir.
E eles nunca irão saber que tu concordas comigo.

Fibonacci

sábado, janeiro 06, 2007

De lareira acesa

A neve cai lá fora como batalhões, como patorras de elefantes, muito pouco poética, essa neve.
Um simples raciocínio faz-me dar graças pela monotonia sedenta do vazio na qual a minha vida se tornou. Assim penso e só assim escrevo, traço notável do carácter amador sem experiência ou sem qualquer valor da minha suposta arte.
Se tudo fosse neve e se a neve fosse água, se o condicional se ultrapassasse e o futuro corresse ao passado, as minhas mãos iam-se cansar.
Ou talvez não. Talvez explodissem para algo muito melhor. Algo que eu não conheço, que é tão maior. E eu ia crescer e deixar de escrever estas coisas ridículas que só teriam valor se fossem cartas de amor, que são ridículas. Sendo como são, ar puro já demasiado quente, não mereciam existir nem na minha cabeça. Só na tua.

E foi assim que surgiu a ideia de matar o meu diário e começar a escrever para ti. Para ti que nem sei quem és mas sei que amo. Todas as cartas de amor são ridículas. Assim não preciso de ter vergonha da necessidade de matar a abstinência do papel e da caneta sem qualquer inspiração.

A cabana está fria, o livro pouco avança e as ideias vão escasseando. As personagens aborrecem-se no papel e a lareira quase que adormece a meio das suas funções. A noite que avança deveria ser meu suporte, mas continuo aqui, sozinha, neste descampado serrano invernoso, sem conseguir o que quero dela: inspiração. As estrelas brilham mas não é para mim. Talvez não devesse ter vindo para aqui a correr atrás do sonho. É melhor fechar tudo e esperar que esse único momento real do meu dia-a-dia, o sono, me revele mais do que eu quero saber.

Só isso é tão bom.

Fibonacci

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Daqui a pouco

31 de Dezembro, ou será já 1?
Desenhos estranhos do céu. Demasiado científicos, cuidados, pensados e pesados, equilibrados. Quem disse que havia equilíbrio no céu? Para depois com as aparências!
Agora. Agora o que não aconteceu aperta-me a garganta. E o que pode ser o decair das forças, no daqui a pouco que não existe porque não, mata-me, corrosivo, é da acidez, é da concentração daqueles iões, que irritantes!, que se intrometem.
Na brisa que corria impávida por entre ondas sonoras e marítimas, fechei os olhos para ver, já que o telemóvel não funcionava. Fechei com muita força para imaginar bem. Julguei sentir o movimento e o ruge-ruge que vocês, que se consideram acima, concedem deitar como neve a quem vos vê de cá de baixo. E julguei que o sentido me faria berrar de dor sem coração. Mas não. O poço que me espera não é assim tão violento. Apenas frustrado. Vejo a comida que não posso comer, esfomeada, mas não me esforço para a agarrar. E a água sedenta não foge porque não a sufoco. Isto não é Inferno. Porque eu não quero. Não me interessa. Quero sorrir com o que tenho, que só é mau porque não posso ter mais. Tão perto.
Gostava caída de saber que o que me mentes é verdade.
Que estou mesmo aí. Mas estou aqui. Por enquanto estou aqui. Já me julguei capaz de ultrapassar esta quinquilharia que é o espaço. E sou. Mas percebi que há um obstáculo maior. Que usa a aleatoriedade como bombas.
Mas eu tenho uma mão vazia de outras coisas maiores: noites e dias, luas e sóis, música e silêncio, olhares.
Vazia porque as lancei para ti.
Ajudas?
Talvez seja melhor voltar para o calor. Vamos, vou festejar o tempo.
Fibonacci