quarta-feira, abril 25, 2007

Liberdade

A Liberdade é uma coisa esquisita. É como o Amor. As pessoas lembram-se dela quando falta. Porque falta. Tantas vezes.
(Jurei a mim mesma que não usaria frases feitas. Mas é difícil. Toda a gente fala da liberdade. E haja liberdade de expressão!, mas imaginação nunca há e sempre é mais fácil citar que criar. Mas eu tento.)
Eu tento dizer como é importante este dia. Mas não quero mentir. Eu nunca vi a liberdade. Para mim, a liberdade é voar. A liberdade é correr e eu corro todos os dias. Se eu não conseguisse, eu ia fechar os olhos com muita força e imaginar que estava a correr. Eu ia sentir o vento na minha cara e a velocidade no pulsar do meu sangue. E eu ia, assim atada, assim fechada, eu ia ver a liberdade. Mas assim, livre, eu corro. E corro. Mas o vento faz-me frio e a velocidade assusta-me. E eu não fecho os olhos e não vejo nem imagino.
A Liberdade é mesmo uma coisa esquisita. É como a Noite. Exige tanto das pessoas. Ela quer energia, ela quer uma visão sensata e sensível, ela quer discernimento, ela quer vontade. Mas as pessoas cansam-se. Cansam-se da luta, da batalha diária contra o comodismo do doce calvário do rio que segue, e segue, mas não escolhe o seu caminho.
A Liberdade é uma coisa mesmo esquisita. É como o Sol. Nasce todos os dias. E, apesar de nada nos dizer que ele vai nascer no dia seguinte, excepto a rotina de uma crença irracional, nós sabemos que sim, ele nasce. Sabemos não por saber mas porque, antes de nascer no Oriente, ele nasce dentro de nós. Mesmo à noite, nós sabemos que o Sol vai nascer. É como a liberdade.
E eu acredito naquela coisa esquisita da qual eu nunca senti falta, aquela que eu nunca vi, aquela que me cansa e aquela que nunca me deu a certeza que aparecer amanhã. Mas acredito. Acredito cegamente. Acredito e continuarei a acreditar.
Acredito como acredito no Amor.
Acredito como acredito na Noite.
Acredito como acredito no Sol.
Acredito nela como em mim, porque somos as duas uma só.
E nem que tenha sido apenas para eu poder estar aqui a escrever a Liberdade vale a pena.
Esta foi uma frase feita. Mas o que aconteceria à imaginação, se não sonhássemos todos o mesmo sonho?

Fibonacci

terça-feira, abril 24, 2007

Gigantes

Eu quero ser grande. Quero ser um gigante. Quero dizer coisas de gigante, lá de cima, onde a chuva não molha.
Quero saber quem sou e quero que o mundo perceba como sou gigante e como sou bem assim.
Quero rodopiar sem sair do sítio, cansada. Quero ser como o mar. Salgada.
Quero olhar para baixo, para as estrelas durante toda a noite e, mal cheguem os primeiros indícios da manhã, quero soprá-las, uma a uma, quero apagá-las.
Quero porque somos. Todos. E eu. E tu. Gigantes.
Posso ser tudo, posso ser o que for preciso. Mas quero ser mais.
Um dia... um dia vou ser mais do que sou agora. Quero jamais esquecer o que começa já a esvair-se da memória.
Quero saber que a solidão cabe toda no meu bolso. Quero guardá-la assim para quando tu vais embora. Quero chorá-la pedante. Mas tu dizes, e eu deito-a fora, que o Inferno já não o posso guardar. Mas posso rir, posso gritar.
Afinal, vou ser gigante.
Fibonacci

terça-feira, abril 10, 2007

Densidade

A noite era uma das noites mais abafadas do ano. Era um bafo impossível e impossível. Um quente sem temperatura, só densidade. O quarto era uma estufa, como a praia era a lua. Os corpos mal aguentavam o lençol e repeliam-no a jorros de suor que deixava um rasto viscoso do mel nos braços, nas pernas e nos cabelos. E, apesar de tudo, aqueles corpos dormiam, semi-adormecidos, semi-enfeitiçados.
Aquela hora foi a hora mais quente e mais bafienta dessa noite. O meu braço não aguentava a pressão do ar que o rodeava e foi em vão que o tentei segurar quando cambou para baixo. Acordei-te a ti e eu acordei por aí. Os teus olhos brilhavam num brilho lustroso e meloso pelo quente, só densidade, do ar da noite. Os meus não sei. De momento, eram só os teus.
E, por instantes brevíssimos, uma brisa gelada arrepiou-me e demorei um tempo a descobrir que era a tua mão. A tua e a minha não se repeliam, como o corpo ao lençol, mas pareciam agarrar-se fortemente e contra o nosso espanto e vontade.
E a partir desse momento, todos os corpos do quarto dormiram. Até eu e até tu. Semi-adormecidos, semi-enfeitiçados. Não deves ter reparado, mas adormecemos imediatamente, finalmente seguros um pelo outro de que o ar não nos abafaria, de que a lua não encheria toda a praia e de que a manhã voltaria e, com ela, a Vida do vento norte.

segunda-feira, abril 09, 2007

Perhaps

You won't admit you love me
And so how am I ever to know?
You only tell me
perhaps, perhaps, perhaps.
A million times I've asked you,
and then I ask you over again,
you only answer
perhaps, perhaps, perhaps.
If you can't make your mind up,
we'll never get started.
And I don't wanna wind up
being parted, broken-hearted.
So if you really love me,
say yes.
But if you don't, dear, confess.
And please don't tell me
perhaps, perhaps, perhaps.
If you can't make your mind up,
we'll never get started.
And I don't wanna wind up
being parted, broken-hearted.
So if you really love me,
say yes.
But if you don't, dear, confess.
And please don't tell me
perhaps, perhaps, perhaps,
perhaps, perhaps, perhaps,
perhaps,
perhaps,
per………….haps
Cake
É tudo uma questão de prespectiva. De ângulo, talvez. Talvez. A indecisão doce e o não saber maravilhoso. E o não pecar. Muito mais cómodo, tão mais cómodo! Se o tudo nunca sair de uma mesma prespectiva nunca ninguém pode afirmar verdadeiramente que existiu, nem mesmo a uma dimensão.
E eu sei como é suposto saber. Sei porque o leio em todo o lado.
Mas saber não chega. Saber dói. E saber sem sentir dói demais.
Preferia não saber. Quem não sabe, não peca. Mas seja por defeito ou por excesso estou terminantemente condenada a saber. E a saber que sabes que eu sei.
E não vale a pena dizer que não será por muito tempo. Porque é por todo o tempo, para mal dos meus pecado, e só porque sei. E quem sabe, pensa. Quem sabe, fica. E eu já só queria ir embora.
Fibonacci

quarta-feira, abril 04, 2007

Respiração

«Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.»
Eugénio de Andrade
De repente, respiro, sim, respiro o grito que nunca me atrevi a saborear. Respiro a alvorada da liberdade. Respiro e choro e grito, como um bebé chora e grita para respirar. Esperneio e grito. E berro tanto que já nem choro. Vou beber veneno. De tanto berrar, vou morrer a rir.
Quero mais-que-profundamente a felicidade. Quero lutar por ela. Mas lutar a sério, no verdadeiro campo de batalha, com sangue, suor e lágrimas. Quero correr atrás dela no meu máximo de velocidade, como gosto de correr atrás da minha sombra só porque sei que um dia a vou conseguir agarrar. Quero esperar pela felicidade. Mas esperar feita espia. Esperar camuflada, como espero o meio-dia para ver o calor do milagre do eclipse da sombra e como espero as sete horas da tarde como a hora perfeita da união da areia e do mar. Quero conseguir a felicidade como gosto de conseguir as coisas mais difíceis. Quero gritar que a consegui quase tanto como grito que a quero conseguir.
Quero mesmo ser feliz. E quero que seja difícil. Quero consegui-lo só por mim, mas nunca há-de ser por mim só.
O determinante possessivo dessa palavra é invariável, infatível e cruelmente plural.
Sempre foi.
E sempre há-de ser.
Fibonacci

domingo, abril 01, 2007

Quase, quase

Caresse sur l'océan
Pose l'oiseau si léger
Sur la pierre d'une île immergée
Air éphémère de l'hiver
Enfin ton souffle s'éloigne
Loin dans les montagnes
Vire au vent tournoie déploie tes ailes
Dans l'aube grise du levant
Trouve un chemin vers l'arc-en-ciel
Se découvrira le printemps
Calme sur l'océan.
Christophe Barratier, Bruno Coulais
A calma do oceano, ou do próprio Tempo, só existe como mais uma maneira esquisita de nos tentarmos adaptar aqui.
Dizer que se passou quase, quase um ano é tão ridículo! Tão ridículo marcar um ponto ou outro e correr para ele como se fosse o fim. Ou o princípio. E nem é. Nem princípio nem fim. Nem nada.
Fazer quase, quase um ano só serve mesmo para parar. Parar, esticar bem os dedos, sentir, parar, dilatar bem as narinas, absorver, parar, afinar o mais possível os ouvidos, ouvir, parar, preparar as papilas gustativas, saborear. Sentir, absorver, ouvir, saborear e intuir tudo o que agora quase, quase é.
E isso, constato, é quase, quase igual ao que era, há quase, quase um ano atrás.
Reparo que só mudou uma coisa. Eu. E mesmo eu descrevi um círculo. E mesmo assim não o descrevi muito bem. Apenas me habituei a estar mais atenta. A estar permanentemente faminta por inspirações, expirações e explicações, por reflexos e por fantásticas convulsões de sentimentos que pudesse exteriorizar, sem mais nem menos, e tão cruelmente como o brilho mais-que-metálico de uma faca afiada. Depois abrandei. Depois fugi disso porque, institivamente me levava ao mesmo sítio. E, por parar, percebi que voltei ainda a um sítio mais próximo.
E cá estou. Quase, quase um ano depois. Quase, quase igual. Quase, quase uma pessoa maior. Quase, quase um gigante (agora vejo perfeitamente o teu orgulho de me teres ensinado que eu não passava de uma egoísta intelectual). Antes achava que escrevia porque queria. Agora aprendi que escrevo porque tem de ser. Senão, tudo muda. Senão, não presto. Senão, não penso. E se não pensar, não sonho. E o sonho afinal sempre comanda a vida. E é por isso que, neste ano que quase, quase começa (ou recomeça, ou sei-lá-o-quê), vou dedicar-me a outros objectivos. Vou marcar o céu e o infinito. Marcá-los como a única meta. Sei que não chegarei lá. Mas, no fundo, como em tudo o que fazemos, o mais importante é o caminho.
Fibonacci