sábado, outubro 20, 2007

Lembrei-me do que já foi tão passado

Parece-me que é de mim. Começar a falar sem paragens, sem respirações e depois não ter fôlego para chegar ao fim, expiar todas as palavras cansadas, que, no fundo, nunca quis dizer e agora secou-me a boca, morro à sede.
A quem pergunto, minto, a quem falo, rio e desato a rir e chego mesmo a desejar que sintas o egoísmo que sinto quando tento ser maior e não deixas, porque não tenho voz na mão que sou e ela foge-me todos os dias.
Agora tento ser diferente, agora sou o lirismo que tento esconder na coragem dos outros.
Não há nada de real. Não consigo ser maior. Não consigo os versos heróicos, e a mão puxa-me involuntariamente para as vírgulas, pontos e pontos e vírgulas.
Só o que de mim sai é real. E o real não é assim tão bom.
Perdi-me no futuro, esqueci o passado. E ele não volta. E eu quero que volte. Porque o que fui durante tantos anos era bem melhor que aquilo que sou agora.
Eu amava com a vida, agora aprendi a amar com a pele.
Não quero.
Quero voltar a ser quem era quando nunca tive dúvidas. (Digam o que disserem, ter dúvidas é sempre mau sinal.) E desde que tu foste, apesar de já ter sido há tanto tempo, elas invadem-me de todos os lados.
Tu eras a minha única certeza, foste-o durante tanto e tanto tempo, uma eternidade. Nunca vou conseguir encontrar outra.
Nem quero.
Vou parar por aqui.
Fibonacci

segunda-feira, outubro 15, 2007

Preciso de algo bom.

Preciso de algo bom. Preciso que o tudo não se revele apenas imaginação. Preciso que o mundo volte ao seu eixo, não eu.
Preciso que o norte e sul voltem a acertar, e se juntem, como eram no princípio. O princípio do mundo, quando nunca precisei de coisa alguma assim tão boa.
Isto tem de ser algo bom. A mentira repetida magoa.
Fibonacci

domingo, outubro 14, 2007

Teoria do esquecimento

E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando
Luís de Camões, Os Lusíadas, canto I

Quando o Homem foi maior, ele quis criar o seu próprio destino. Moldá-lo de ferro, forjá-lo em barro. Pelas suas mãos, viver mais que a própria vida. Viver para que quem o ouça o reencarne, e assim transformar-se novamente em algo que nunca foi. Quando a palavra desejo despertava a criação, a morte física aparecia mais suportável que a morte humana, que é o esquecimento.
Quando o Homem se valia da temeridade e enfrentava a Morte, abria os braços, fechava os olhos, e entregava-se face a face ao infinito. E só por uma coisa lutava e só uma queria como prémio. A vida. Uma contra-lei.
O não-esquecimento.
Como o gaulês teme que o céu lhe caia sobre a cabeça, assim temia esse esquecer, o desamor eterno da memória inesquecível. O fim.
O Homem foi maior porque quis ser mais que um homem.
Mas hoje, hoje ninguém me convence que ele, cuja sede o tornou imortal, nunca se sentiu etéreo, ar, pleno e cheio e a abarrotar de uma vontade enorme de se esquecer. Hoje ninguém me convence que ele nunca usou o esquecimento como a sua arma maior. Que nunca, por momentos, precisou de se esquecer de tudo. Nem que nunca deixou a memória fugir por cada um dos seus poros, esvaindo-se, como sangue.
Fibonacci

sábado, outubro 06, 2007

Lógica

Ainda há muito que quero ver. Ainda há muito que não vi, não vivi e, mais que isso, ainda há muito que não vou poder recordar.
Ainda não vi o que é a alma, e onde fica a saudade afinal. Ainda não vi o que é ser maior e sentir o espinho espetado no braço. Ainda não vi a meta, e pensando bem, ainda nem vislumbrei o que está para lá da primeira curva.
Há tanto que me falta. Falta em mim, não de mim. E apanho-me a pensar no que nos define, na nossa expressão designatória, no nosso domínio. Se é o que fizemos, vimos ou pensamos, ou se é aquilo que acima de tudo desejamos e nunca pudemos viver.
Falta-me, a mim, um ou dois mundos inteiros, e mais umas quantas estrelas.
É difícil conceber que já tenha vivido, porque cada segundo sou outra pessoa. E sinto-me outra pessoa, a cada pessoa que passa na minha vida. E vivo outra vida, cada vez que a minha de repente acaba e renasce das cinzas. E nasço. Nasço a cada inspiração, e a cada expiração olho o mundo como se fosse a primeira vez. E como cada primeira vez, não sei se é o medo se é o deslumbramento que me cala.
E é este constante renovar que, ora soprando, ora deixando de soprar, me arranca do que é lógico e me faz acreditar que não há, verdadeiramente, um fim.
As imagens confundem-se demasiado na minha cabeça. É escusado dizer que sei que há outra lógica, dado que o que há de facto é um magnetismo natural para o que é ilógico. Mas há. Há, pelo menos, algo para o qual me viro constantemente. O meu único refúgio quando penso demais, calculo de mais, raciocino demais e vivo de menos.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Destino

O fado, a quem nem os deuses desobedecem, vou construí-lo peça a peça. Vou sonhá-lo, infundá-lo e vivê-lo. Vou alucinar o destino mais maravilhoso. Um destino completamente real. Real de tão ar que é. Real de tão música que é. Real de tão humano, de tão mitológico, de tão deliciosamente escandaloso. Sou tu e és eu sem sermos nós.
Como Jivago, só me morde o ciúme do inferior que me rodeia e persegue. Vejo-vos, aos dois, tão vertiginosamente abaixo de mim que morro asfixiada com o ar rarefeito que me sobra. Falta-me o oxigénio e esbanjo-me em raiva nos olhos turvos de um grito magoado e, mesmo assim, imaculado.
Porque o meu destino é o meu fado. E o tom, sou eu que o dou.
Fibonacci

quinta-feira, outubro 04, 2007

O nada, o tudo e o princípio

Não gosto que me digam o que fazer. Acima de tudo, tenho orgulho no que sou e no que faço, mal ou bem. Mas admito, alguém me conseguiu pôr a pensar. Mesmo no que eu não queria.
Quando criei este blog, no princípio, era assim, tão centrado noutra pessoa. No princípio, nunca quis que se soubesse que era eu que escrevia. Mas a minha vontade de me distanciar era maior, e por isso não menti. Porque para algo deixar de me pertencer, tem de ser meu primeiro.
Confesso, entusiasmei-me. Pensei que podia ser maior. Quase que pensei que podia ser alguém.
Mas agora tenho medo,e estou relutante em postar o que escrevi, e já não me acho com capacidade para tal.
O que mais quero é voltar ao início. Aos pretensiosismos pseudo-literários. Àquele início do qual só gostavam o Guerra, a Mafalda e o meu pai.
Não tenho talento para pensar tanto. Não sei escrever, não sei filosofia e não sei matemática como começam a exigir de mim. Não sei desvendar mistérios e tudo o que queria era poder copiar Herman Hesse, Sophia de Mello Breyner e Isabel Allende mais um bocadinho. Poder ver nascer os meus Narcisos, Goldmundos, Lúcias e Malinches. E os Ivanhoes.
Não, não sei o que é o tudo em concreto. Muito menos o nada em particular. São como o mais e o menos infinito, só os usamos para exagerar. Mas deixem-me exagerar. Deixem de esperar coisas de mim. Nunca criarei uma sucessão ou um conto de natal.
Eu só preciso de chorar no papel, e rir para o ecrã.
Nunca fui especial, como um dia sonhei ser.
Por isso quis-me esconder, no início.
E era o que eu devia ter feito.
Porque o tudo é demasiado pesado para mim. E o nada, eu não o sinto.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Ontem

«Não, não estou nada bem. E sei que nada disto é certo, porque nada mudou. Nada parece ter mudado. Tenho ainda a ínfima esperança que seja tudo da minha cabeça. Não quero passar à história. Especialmente quando tudo o que cresci com esta história foi tão importante para mim. Não quero perder o que tenho de mais importante que é a vossa amizade.
Porque passamos a ser três. E tal nunca me incomodou, pelo contrário. Gostei da mudança, do que vivemos todas, quando ainda éramos todas.
E não foi comigo que vieste falar. Mas percebi isso. Não foi a mim que pediste conselhos. E nisto acima de tudo te compreendo. Não foi comigo, mas sempre pensei que fôssemos três. E se não era comigo que rias, eu ria-me com vocês.
Mas hoje, hoje não foi comigo que foste chorar.
E isso, só isso me faz pensar que já não importo. E julgava ser mais forte que isto. Porque nunca mereci o que tinha. Mas importo-me de não importar. Importo. Mas isso, isso é o mesmo que nada.»
Recuperado de um diário antigo