segunda-feira, janeiro 15, 2007

Nem chegaste a partir

De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
David Mourão Ferreira
«O fado é uma história. É dor a lacerar, e a profunda esperança de que o mar nos traga mais que levou.
Uma história e uma mulher vestida de preto. São loucas! Encontras, mesmo que não queiras, a tua história. Ou a minha. E só porque quem canta uma história assim, sempre acrescenta o que é. Saudade. Passado, não. Porque em todos se repete sempre a mesma história, como um presente repetido e irrepetível.
É como tudo, aprende, tu nem chegaste a partir. Eu sei, meu amor, nem tu nem eu fomos a lado nenhum. Rodopiamos talvez. Enjoamos, doentes alucinando no mar e no fogo mortiço. E nos batuques mornos na sua contínua sístole e diástole, a marcar o tempo das ondas e das velas.
Mas dentro do teu peito, estou sempre contigo.»
Mariza, live in London
Fibonacci

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