domingo, novembro 19, 2006

Rituais

« - O que é um ritual? - disse o principezinho.

- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - É o que torna um dia diferente dos outros dias e uma hora diferente das outras horas. Por exemplo, os meus caçadores têm um ritual. À quinta-feira, vão dançar com as raparigas da aldeia. Por isso, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear às vinhas. Se os caçadores fossem dançar num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.»

O Princepezinho, de Antoine de Saint-Exupéry

Porque eu deixava a porta aberta e tu, gentilmente, limpavas os sapatos no tapete. Inútil, claro, pois logo que entravas tiravas os sapatos e a gravata e as preocupações. Mas era o nosso ritual.
E era a nossa casa.
Era tão bom na nossa casa!
Lá eu espectava tudo isso como mais um desconcerto lógico de ti, tão usual e tão raro, nessa tua e minha alma, a nossa casa.
Mas eram cada vez mais e mais rituais na nossa vida que depressa esquecíamos que eram sagrados e invioláveis e secretos, pois toda a gente os via. Cada vez mais que eram menos. Que tu já faltavas. Que eu gritava o silêncio daquela culpa que me agrilhava ao que não devia. Porque se te olhava fora daquele ritual só nosso, tinha vergonha e medo que já não fosse importante para ti. Porque se me encontravas na Terra, no solo, no chão, eu tinha medo de não passar do rastejo, de ser mais uma a carregar a suave maldição de Eva.
Era tão bom na nossa casa!
Na nossa casa, eu era anjo, e nas pontas dos pés nós agarrávamos estrelas.
E voávamos, na nossa casa, em dois passos de dança, nós voávamos.
Quem dera o mundo revirasse os seus ideais e nos deixasse fazer da Vida um só ritual.
Um ritual de espera, o ritual do encontro.
Do vôo.
Da música.
E da dança.
Fibonacci

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