segunda-feira, julho 23, 2007

Sala de espelhos

'Eu sei que és feliz', disse então. Lúcia assustou-se como se acordasse e inclinou rápida e suavemente o pescoço, espreitando para trás. Tentava vislumbrar a presença de outra pessoa na sala pouco mais que vazia.
'És feliz, tu. Por natureza e omissão.'
Mais tarde Lúcia confessaria que ficou um pouco chocada. A sua natureza irremediável e deliciosamente romântica sempre lhe havia deixado um delicado travo amargo na boca. Sempre a havia obrigado a acreditar que não era ela o mar, só podia tentar imitar a sua voz.
E assim, naquela altura, Lúcia reagiu com o silêncio indignado. Uma indignação que só ele percebeu ser um 'aceito'. Um 'aceito' terrivelmente mal escondido.
Não que Lúcia aceitasse aquela afirmação como aceitava as críticas, porque essas ainda não havia aprendido a aceitar, como nunca de facto conseguiu. Mas antes era um 'aceito' como quem recebe uma notícia, um pouco noite, um pouco alívio.
(...)
De facto foi. Foi feliz. Ali, na sala dos espelhos, sozinha e repetida mil e uma vezes, Lúcia foi feliz
Ali tinha tudo, mesmo que lhe faltasse muita coisa. No fundo, tudo o que faltava, era dela. E o que queria, já lhe pertencia.
Feliz como narcisista que era ou egoísta que queria ser. Ali, sozinha e repetida, só com aquela companhia Lúcia quase fingia que o mundo era perfeito.
E, se acreditasse em coincidências, quase que acreditaria que a felicidade existia.
Fibonacci

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