sexta-feira, dezembro 21, 2007

Baionne

Um, dois, três, quatro, cinco, seis, zumba, oito, nove, dez, zumba, doze, treze, zumba, quinze, dezasseis, zumba, dezoito, dezanove, vinte, zumba, zumba, vinte e três, vinte e quatro, vinte e cinco, vinte e seis, zumba, zumba, ...

Páro no vinte e oito em honra à Mafalda.


Quero voltar.
Aqui há muitas horas de sol por dia e o dia começa muito cedo.
Quero tanto voltar e ainda quase não saí.
Quero voltar ao frio que já nem é frio quando é gelo, e quase nevou, quase.
Aqui, quando é noite, continua a haver luz. Quero voltar ao escuro da salamandra acesa.
Quero mesmo voltar.
Aqui há muito para fazer mas os dias passam devagar. Lá não havia relógios e o tempo perdia-se no caminho. E cartas, e jogos, e nada, tanto nada, que se fazia quando me lembrava das horas.
Aqui há muita comida, mas era lá que as refeições se misturavam até se tornarem numa única, comprida, ao longo de todo o dia (se é que dia lhe podemos chamar), comprida e deliciosa, que ora se esticava, e era uma linha ténue, fina e leve como uma bolacha, ora engordava e saltava voluptuosa como as massas a dançar na água a ferver.
Quero cada vez mais voltar.
Aqui tenho tudo. Mas ter só o essencial fez-me tão mais feliz.
Obrigada pelos músculos doridos da barriga de tanto rir. Obrigada pelas lágrimas dos filmes mais emocionantes (e pelas piadas relacionadas com portas, que não nos esqueçamos que são nove). Obrigada pela companhia do pijama. Obrigada pela música (e pela dança, também, muito obrigada). Obrigada pelo cobertor eléctrico. Obrigada pelos percevejos do memorial e por aturarem os guinchos das seis menos um quarto da tarde. Obrigada pelas manilhas azuis do Uno. Obrigada pelas obras de carpintaria. Obrigada pelo cabron. Obrigada, obrigada, obrigada.
Quero voltar.
Porque lá adorei clichés.
Fibonacci

sábado, dezembro 15, 2007

Nevoeiro

Nevoeiro é quando o mar se levanta e voa à terra. O nevoeiro esconde mas profetiza. E se, à noite, algo insiste em brilhar forçado, é chuva miúda que cai mas não molha. E aí sentimo-nos intocáveis, imortais, um pedaço dos deuses feito sinal.
Não há unidade possível, nunca houve, nem no início. Por isso a procuramos, por isso corremos. Por isso olhamos para todo o lado e a inventamos com todas as nossas forças. Mas não há. É como correr atrás da sombra. Mas parar, parar é morrer.
No nevoeiro, somos uma partícula de toda aquela água disfuncional. Não somos um. Somos uma parte. Mas essa parte chega. E bem que quase que queremos ser dois.
Hoje, hoje não sou eu, nem sou Ricardo Reis, nem finjo ler o que me descontrói. Hoje sou parte do nevoeiro.
Não falo, não vejo, não ouço.
Chovo, mas não molho.
E sentir, só sinto mesmo o meu estômago.
Um pouco mais acima e era o coração.
Fibonacci

quarta-feira, novembro 28, 2007

Falta-me tudo e do resto tenho a mais. Queria um sentido porque me sobram os significados. Queria algo maior porque tudo é já tão grande. Falto eu ser quem devia. Faltas tu mostrares quem não és. Quero uma perspectiva porque três dimensões é demasiado para mim.

terça-feira, novembro 13, 2007

Pessoa

Contigo aprendi que cada palavra tem mais que o seu justo peso, tem milhões de justos pesos e justas medidas. Aprendi que consegues levar-me onde quiseres, por muito que eu não queira ler assim. Aprendi que que uma letra é o mesmo que um número, e uma alma, um destino. Tu morreste criança. E por isso aprendi que nunca chegamos lá. Aprendi que o que importa não é passar, é ser a ponte. Aprendi que o tédio é pó, e nós somos pilares dessa toda apatia. Não me ensinaste que há coisas maiores. Mas contigo aprendi que essas coisas maiores estão aqui tão perto que por vezes nos confundimos com elas. Aprendi que não vale a pena a vontade. Porque a Força é maior. Aprendi que mesmo assim somos quem queremos, e temos todo o dever de ser. Aprendi que não sou nada. Mas aprendi que posso ser futuro. Não sei o que viste, não sei quem te mostrou o que é Longe e já não nos pertence. Mas tu sabes. Apesar de nunca teres chegado lá. Morreste criança, para me ensinar isso. Num mesmo sopro, um mesmo fado. Num mesmo futuro, um mesmo passado.
Fibonacci

sexta-feira, novembro 09, 2007

Proposta de tréguas

Ivanhoe foi diferente.

A Ivanhoe faltou-lhe uma capacidade fulcral, que era ler o futuro. Ele não lia, pensava que o fazia acontecer.
Ivanhoe nunca me inspirou, mas aquecia-me.
Ivanhoe nunca parou. Parar é para os fracos. Parar é para quem tem alguém que os espere, na inércia, na ausência de forças, na força maior que não existir.
E agora, não sei se por medo do escuro, se pela claridade exagerada do sol, corre, corre e fala muito alto, para nunca passar despercebido e para nunca deixar perceber o atropelo que é a sua imaginação.
Fala comigo.
Fala comigo, Ivanhoe. Falaste tão alto, no dia em que me disseste que eras diferente, que quase me convenceste.
Fala comigo como se não precisasses de mostrar nada que não és, como se nada do que não sentisses fosse importante.
Fala comigo como se eu fosse uma pedra, e não o prémio do último torneio.
Fala comigo como se eu estivesse longe e nunca chegasse.
Fala comigo como se eu fosse a sombra do teu corpo. (Fala comigo porque chega sempre o dia em que o sol obriga o corpo a desejar a sombra, tal como se fosse a primeira hora.)
E não fales de mim. Que de mim só a memória se esvai, como sangue. E hoje tudo se encontra onde devia. E não fales de ti. Tu nunca te importaste com isso.
Sê alto, Ivanhoe. Sê grande. Sê inteiro. Não aceites menos que isso.
E fala comigo.
Fala como se eu não te ouvisse. Porque não te ouço. Eu não passo daquela sombra que um dia te mostrou que, afinal, és igual aos outros.
Fibonacci

domingo, novembro 04, 2007

Mina

É o ar a subir até ao peito, que quer rebentar de tanto ar, tanta coisa, tanto daquilo que se sente (a cada acorde, a cada batida, a cada suspensão, a cada cadência). E, antes de tudo me voar pelos cabelos e me levantar, abandonando-me ao que sempre me quis prender, vou suster o ar mais um pouco. Porque enquanto é meu, está mais forte. A sua energia passa e passa e arrepia a minha nuca, as minhas pálpebras e as minhas papilas gustativas. Ninguém sabe. A artéria aorta pulsa ao ritmo do mais baixo do palco. Os ombros acompanham a cabeça, que já nem nos pés manda.
Sou tudo o que ele canta. E nunca mais vou acabar.
O bocado meu que lá perdi, lá ficou.
Porque ali ele é mais do que é comigo.
Fibonacci

quinta-feira, novembro 01, 2007

O preço que pagamos foi alto demais.

Trocamos o céu pelo chão. Perdemos o que tínhamos para ganhar aquilo a que nunca tivemos direito. Não tínhamos muito é verdade. Mas eu agarrei-me a tudo como uma tábua de salvação. Como se o mar estivesse agitado. Como se as ondas pequenas se sobrepusessem às grandes e redondas. Mas não.
O céu limpo e eu não via a lua.
Não me serviste de nada. De nada me serviu agarrar-me a ti. Se o barco nunca encalhou, se o céu nunca choveu.
Agora rio ao pensar no que perdi. E no que ganhei com medo de tudo perder. Nada. Nada mais que nada. Só me ficou o que era meu de início. Eu mesma. Se é que mesmo isso continua a ser meu.
Agora só sorrio ao pensar no erro pior que cometi.
Porque foi um erro.
Foi pior.
Foi demasiado pensado.
Fibonacci

sábado, outubro 20, 2007

Lembrei-me do que já foi tão passado

Parece-me que é de mim. Começar a falar sem paragens, sem respirações e depois não ter fôlego para chegar ao fim, expiar todas as palavras cansadas, que, no fundo, nunca quis dizer e agora secou-me a boca, morro à sede.
A quem pergunto, minto, a quem falo, rio e desato a rir e chego mesmo a desejar que sintas o egoísmo que sinto quando tento ser maior e não deixas, porque não tenho voz na mão que sou e ela foge-me todos os dias.
Agora tento ser diferente, agora sou o lirismo que tento esconder na coragem dos outros.
Não há nada de real. Não consigo ser maior. Não consigo os versos heróicos, e a mão puxa-me involuntariamente para as vírgulas, pontos e pontos e vírgulas.
Só o que de mim sai é real. E o real não é assim tão bom.
Perdi-me no futuro, esqueci o passado. E ele não volta. E eu quero que volte. Porque o que fui durante tantos anos era bem melhor que aquilo que sou agora.
Eu amava com a vida, agora aprendi a amar com a pele.
Não quero.
Quero voltar a ser quem era quando nunca tive dúvidas. (Digam o que disserem, ter dúvidas é sempre mau sinal.) E desde que tu foste, apesar de já ter sido há tanto tempo, elas invadem-me de todos os lados.
Tu eras a minha única certeza, foste-o durante tanto e tanto tempo, uma eternidade. Nunca vou conseguir encontrar outra.
Nem quero.
Vou parar por aqui.
Fibonacci

segunda-feira, outubro 15, 2007

Preciso de algo bom.

Preciso de algo bom. Preciso que o tudo não se revele apenas imaginação. Preciso que o mundo volte ao seu eixo, não eu.
Preciso que o norte e sul voltem a acertar, e se juntem, como eram no princípio. O princípio do mundo, quando nunca precisei de coisa alguma assim tão boa.
Isto tem de ser algo bom. A mentira repetida magoa.
Fibonacci

domingo, outubro 14, 2007

Teoria do esquecimento

E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando
Luís de Camões, Os Lusíadas, canto I

Quando o Homem foi maior, ele quis criar o seu próprio destino. Moldá-lo de ferro, forjá-lo em barro. Pelas suas mãos, viver mais que a própria vida. Viver para que quem o ouça o reencarne, e assim transformar-se novamente em algo que nunca foi. Quando a palavra desejo despertava a criação, a morte física aparecia mais suportável que a morte humana, que é o esquecimento.
Quando o Homem se valia da temeridade e enfrentava a Morte, abria os braços, fechava os olhos, e entregava-se face a face ao infinito. E só por uma coisa lutava e só uma queria como prémio. A vida. Uma contra-lei.
O não-esquecimento.
Como o gaulês teme que o céu lhe caia sobre a cabeça, assim temia esse esquecer, o desamor eterno da memória inesquecível. O fim.
O Homem foi maior porque quis ser mais que um homem.
Mas hoje, hoje ninguém me convence que ele, cuja sede o tornou imortal, nunca se sentiu etéreo, ar, pleno e cheio e a abarrotar de uma vontade enorme de se esquecer. Hoje ninguém me convence que ele nunca usou o esquecimento como a sua arma maior. Que nunca, por momentos, precisou de se esquecer de tudo. Nem que nunca deixou a memória fugir por cada um dos seus poros, esvaindo-se, como sangue.
Fibonacci

sábado, outubro 06, 2007

Lógica

Ainda há muito que quero ver. Ainda há muito que não vi, não vivi e, mais que isso, ainda há muito que não vou poder recordar.
Ainda não vi o que é a alma, e onde fica a saudade afinal. Ainda não vi o que é ser maior e sentir o espinho espetado no braço. Ainda não vi a meta, e pensando bem, ainda nem vislumbrei o que está para lá da primeira curva.
Há tanto que me falta. Falta em mim, não de mim. E apanho-me a pensar no que nos define, na nossa expressão designatória, no nosso domínio. Se é o que fizemos, vimos ou pensamos, ou se é aquilo que acima de tudo desejamos e nunca pudemos viver.
Falta-me, a mim, um ou dois mundos inteiros, e mais umas quantas estrelas.
É difícil conceber que já tenha vivido, porque cada segundo sou outra pessoa. E sinto-me outra pessoa, a cada pessoa que passa na minha vida. E vivo outra vida, cada vez que a minha de repente acaba e renasce das cinzas. E nasço. Nasço a cada inspiração, e a cada expiração olho o mundo como se fosse a primeira vez. E como cada primeira vez, não sei se é o medo se é o deslumbramento que me cala.
E é este constante renovar que, ora soprando, ora deixando de soprar, me arranca do que é lógico e me faz acreditar que não há, verdadeiramente, um fim.
As imagens confundem-se demasiado na minha cabeça. É escusado dizer que sei que há outra lógica, dado que o que há de facto é um magnetismo natural para o que é ilógico. Mas há. Há, pelo menos, algo para o qual me viro constantemente. O meu único refúgio quando penso demais, calculo de mais, raciocino demais e vivo de menos.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Destino

O fado, a quem nem os deuses desobedecem, vou construí-lo peça a peça. Vou sonhá-lo, infundá-lo e vivê-lo. Vou alucinar o destino mais maravilhoso. Um destino completamente real. Real de tão ar que é. Real de tão música que é. Real de tão humano, de tão mitológico, de tão deliciosamente escandaloso. Sou tu e és eu sem sermos nós.
Como Jivago, só me morde o ciúme do inferior que me rodeia e persegue. Vejo-vos, aos dois, tão vertiginosamente abaixo de mim que morro asfixiada com o ar rarefeito que me sobra. Falta-me o oxigénio e esbanjo-me em raiva nos olhos turvos de um grito magoado e, mesmo assim, imaculado.
Porque o meu destino é o meu fado. E o tom, sou eu que o dou.
Fibonacci

quinta-feira, outubro 04, 2007

O nada, o tudo e o princípio

Não gosto que me digam o que fazer. Acima de tudo, tenho orgulho no que sou e no que faço, mal ou bem. Mas admito, alguém me conseguiu pôr a pensar. Mesmo no que eu não queria.
Quando criei este blog, no princípio, era assim, tão centrado noutra pessoa. No princípio, nunca quis que se soubesse que era eu que escrevia. Mas a minha vontade de me distanciar era maior, e por isso não menti. Porque para algo deixar de me pertencer, tem de ser meu primeiro.
Confesso, entusiasmei-me. Pensei que podia ser maior. Quase que pensei que podia ser alguém.
Mas agora tenho medo,e estou relutante em postar o que escrevi, e já não me acho com capacidade para tal.
O que mais quero é voltar ao início. Aos pretensiosismos pseudo-literários. Àquele início do qual só gostavam o Guerra, a Mafalda e o meu pai.
Não tenho talento para pensar tanto. Não sei escrever, não sei filosofia e não sei matemática como começam a exigir de mim. Não sei desvendar mistérios e tudo o que queria era poder copiar Herman Hesse, Sophia de Mello Breyner e Isabel Allende mais um bocadinho. Poder ver nascer os meus Narcisos, Goldmundos, Lúcias e Malinches. E os Ivanhoes.
Não, não sei o que é o tudo em concreto. Muito menos o nada em particular. São como o mais e o menos infinito, só os usamos para exagerar. Mas deixem-me exagerar. Deixem de esperar coisas de mim. Nunca criarei uma sucessão ou um conto de natal.
Eu só preciso de chorar no papel, e rir para o ecrã.
Nunca fui especial, como um dia sonhei ser.
Por isso quis-me esconder, no início.
E era o que eu devia ter feito.
Porque o tudo é demasiado pesado para mim. E o nada, eu não o sinto.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Ontem

«Não, não estou nada bem. E sei que nada disto é certo, porque nada mudou. Nada parece ter mudado. Tenho ainda a ínfima esperança que seja tudo da minha cabeça. Não quero passar à história. Especialmente quando tudo o que cresci com esta história foi tão importante para mim. Não quero perder o que tenho de mais importante que é a vossa amizade.
Porque passamos a ser três. E tal nunca me incomodou, pelo contrário. Gostei da mudança, do que vivemos todas, quando ainda éramos todas.
E não foi comigo que vieste falar. Mas percebi isso. Não foi a mim que pediste conselhos. E nisto acima de tudo te compreendo. Não foi comigo, mas sempre pensei que fôssemos três. E se não era comigo que rias, eu ria-me com vocês.
Mas hoje, hoje não foi comigo que foste chorar.
E isso, só isso me faz pensar que já não importo. E julgava ser mais forte que isto. Porque nunca mereci o que tinha. Mas importo-me de não importar. Importo. Mas isso, isso é o mesmo que nada.»
Recuperado de um diário antigo

sábado, setembro 29, 2007

Pôr-do-sol

Fiz o teu luto.

Mostraste-me como podia ser sozinho
E sem ninguém não podia ser melhor.
Mandava nas minhas mãos, nos meus olhos,
Media minha avidez desmedida
Ou o simples teor
Do açúcar metabolizado nas minhas lágrimas.

Tão puramente como naquele início.

O ser sem ninguém.
O ser para alguém que não nos ouve.
O ser para mim, até ao fim,
E só a ao futuro jurar lealdade e eterna dependência.

E depois uma cara, um calor,
uma morte que me deste desta minha ignorância.
Que quando falamos de Amor, quem espera sempre alcança.
Fibonacci

sexta-feira, setembro 28, 2007

Say love

À frente, a estrada; atrás, a saudade. E quando paramos no agora, já nos esquecemos que é passado. E que nunca chegou a ser futuro.
O tempo é tão relativo.
Não o medimos aos anos. Não o medimos aos meses. Não o medimos às luas.
Medimos o céu.
Medimos o calor do sol. Medimos as nossas ideias. Medimos os nossos sonhos. Medimos os nossos amores.
Porque o Amor é a menina dos olhos da Morte ou da Fortuna (ou mesmo do que nos leva a levantar os olhos ao céu). E quer nos apercebamos ou não, é a nossa única bússola, tão intemportal de biológica que é.
Fibonacci

quarta-feira, setembro 26, 2007

Agora precisava de ver o teu nome. Para saber que não estou sozinha.

Já sei acreditar no incrível

Sei que não posso ser de grande ajuda. Sei que não posso fazer, saber ou dizer nada que ajude. Ainda sei melhor que última coisa que precisas agora é de ajuda. Mas sei rir. E se ainda o sei fazer é a ti que o devo. E posso não saber ou conhecer nada. Mas ti, a ti sei-te e conheço-te mais do que queria ou imaginava.
Tu és como eu, somos iguais nós. E ninguém diria. Porque as coisas importantes vêm-se mal. Tu querias um grande amor. Eu também. Ainda acreditamos nisso. Não há muito quem o faça. Agora não estás segura. E eu também não. As nossas histórias são demasiado diferentes para serem parecidas. Mas mesmo isso não sei. Eu arrisquei e perdi. Tu perdeste e arriscaste. Ganhaste. Agora queres mais. E, sabes? tens todo o direito a mais. Já eu, tenho tanto medo de querer mais que fujo do que podia ser tudo. Mas tu não. Nunca fugiste.
Divaguei como sempre.
A única coisa que sei és tu. E tu, tu não desistes. Tu lutas pelo teu final feliz. E és diferente dos outros porque lutas contente, não lutas a saudade. És diferente, e és melhor. E se eu vejo isso, toda a gente vê.
Acima de tudo, tu és melhor. Acima de tudo, tu não tens medo. Mas acima de tudo, tudo o que tu queres é mais. Não tenhas medo disso. Eu acredito que tudo pode acontecer. Acredito que se estás feliz, não podes deixar que o medo da tristeza te apague o brilho dos olhos. Vive. Vive só. Tu és maior e melhor que a tua própria luta. E se agora és feliz - acredita em mim - vais ser para sempre.
Fibonacci

terça-feira, setembro 25, 2007

1ª inversão do arpejo de mi menor

Então porque não? É raiva correctamente direccionada e soprada que me deixa assim.
O Amor pode ser não seja agora. E isso nem me desilude. As minhas perspectivas pós-românticas e realistas líricas podem inverter-se por um pouco. Deixar de lado a vaidade. Chamar a mim todo o meu ego, exacerbado em ti. Deixar que a chuva caia e não fugir. Aceitar que há coisas sem remédio. E não te deixar à espera, nem mais um segundo.
Fibonacci

segunda-feira, setembro 24, 2007

Baile de máscaras

Quando Lúcia entrou na sala eram sete horas da tarde. Tirou o casaco, pendurou-o no bengaleiro, cumprimentou a dona da casa e preparou uma bebida para si. Eram 19h17 no relógio da sala.
Lúcia conhecia as pessoas a seu lado e falava; a sala foi enchendo e Lúcia atropelava-se e ria-se com espasmos, soltando o corpo num contagiante grito controlado. Saltava de voz para voz, de pessoa para pessoa, e com isto o sol pôs-se, a lua cheia brilhou mais, e o relógio deu as nove, as dez, as onze horas.
Num não-sei-como despropositado, Lúcia contou-as a todas. E falava, ria e atropelava-se feliz.
(...)
Quando sentiu uma outra mão na sua, o mundo não se desfez. Lúcia sorriu - se para si ou para fora já não saberia dizer, mas Lúcia conhecia aquela mão estranha. E o mundo não se desfez, nem Lúcia deixou de ver o barulho à sua volta. Apenas desapareceram as horas e a lua. Quando sentiu uma outra mão na sua, o mundo coube todo lá dentro. E vendo tudo, só aquele calor existia, e aquele travo já conhecido da perfeição alastrou-se pelos dedos.
(...)
Lúcia despediu-se da dona da casa eram 4h13 da madrugada. A sua mão esquerda ainda levava marcada a impressão de outra pessoa. E Lúcia não percebia como mas a Lua continuava lá. Imóvel. Como se nada se tivesse passado. E só a ausência do seu usual olhar sarcástico lembrou a Lúcia que, de facto, nada aconteceu.
Fibonacci

quarta-feira, setembro 19, 2007

Take it easy

Durante muito tempo não me apercebi o que me afastava daqui. Já não era a minha casa. Já não era livre de ser quem queria. E eu nem sabia quem me mandava. Era uma dor maior que já não podia aguentar.
Mas fugir não é solução. Nem soluçar ou manter a raiva bem como primeira opção. Vou mudar, relaxar, esquecer-me de tudo até poder voltar à casa que eu conheci.
Dantes, ninguém me visitava, ninguém batia à porta. E eu lamentava-o sem saber que amava essa vida só minha e só ali. Devagarinho, vou voltar a estar à vontade. Devagarinho, as pessoas vão embora. E a casa, toda suja da festa, vai ser só minha outra vez. E vou poder voltar a cantar bem alto, que ninguém ouve. E vou poder voltar a escrever disparates, que ninguém vai ler. Sou só eu e eu outra vez.
Gostava de saber ver a arte. Mas não. Enquanto não tiver a maturidade para a deixar voar, nunca a poderei ver a sair de mim, das minhas mãos, a uma velocidade superior aos meus próprios pensamentos.
Sei que tudo o que é criado deixa de pertencer ao criador. Mas sou uma mãe demasiado protectora, e abafo. Porque sufoco quando alguém vê segundos significados no que não podia ser mais simples, mais puro, mais despropositado. E porque incho de orgulho vão quando alguém vê algo maior do que o real no que escrevo, quando alguém gosta tanto como eu. E não posso sufocar, percebi agora. Mas muito menos posso inchar. Se eu fosse mesmo artista, deixava ir o que criava, deixava que cada pessoa gostasse ou odiasse, interpretasse e se deliciasse à sua maneira. Que seria, com certeza, tão oposta à minha...
Mas não sou.
Mas não sei.
E enquanto não souber, resta-me ser feliz com o que tenho.
E tenho um desejo maior que eu - que deliciosamente não passa disso mesmo: um desejo enorme de ser maior.
Fibonacci

sexta-feira, agosto 31, 2007

Plano

Todos temos um plano. Planos infalíveis, inquebráveis, onde mergulhamos de cabeça, devagarinho, primeiro, e depois tresloucados, deliciados, baixando as pálpebras, mordendo os lábios.
E nesse mitológico negrume respiramos devagarinho e pensamos mesmo descortinar um certo olhar de aprovação.
Uma paixão desenfreada por um plano, como um filho, nascido da nossa carne, ou pelo menos das nossas células e outras coisas cada vez mais microscópias e monstruosas.
E nessa paixão, que deveria ser leal, desconfiamos. E, por isso, guardamos uma pequenina caixa de Pandora, ou de primeiros socorros, ou de últimos planos B. Não gostamos deles, despejamos neles toda a culpa de a nossa primeira inspiração falhar e, por isso, no início nunca lhe damos a devida atenção. No início. Porque no fim nos arrependemos de o não termos pensado melhor, de não termos nunca considerado que a nossa primeira e eterna paixão, a nossa própria decisão e natureza nos ia deixar mal.
Mas deixa, deixa sempre.
E depois somos obrigados a seguir uma segunda via. Uma dor na alma como objectivo. Um 'tem de ser' desgraçado. Apenas e somente apenas porque uma parte de nós (e eu diria mesmo, a grande maioria do que quer que seja que nos constitui) se volta para trás, desesperada, e no entanto deliciada por se transformar em sal, desde que isso permita uma última imagem e um último sorriso ao que tanto nos destruiu e que, mesmo assim, continua a ser a nossa maior força.
Fibonacci

quinta-feira, agosto 30, 2007

Tempestade

Acalma-me saber que não podia ser de outra maneira; ainda respiro por saber que há amanhã.
O capitão não abandona o seu navio e eu decidi esperar com ele o fim da tempestade nem que seja no fundo do mar e muitos séculos.
Só que o reflexo da alma não espera e as minhas mãos estão cansadas, não o seguram. E a minha herança animal, essa não me deixa esquecer a vida. E assim esbracejo para não morrer por livre vontade agarrada a ti. E esbracejando vou tão contra a minha própria natureza como contra a corrente.
O frio da água em remoinho é tão penetrante que a tua mão gelada e estagnada aquece a minha: se decidiste partir, deixa-me ir também. Avisa o meu espelho, para que a minha sombra siga o meu corpo quando este um dia for resgatado.
Se o for.
Eu não quero que seja.
Mas é uma questão de sobrevivência, percebes?
Fibonacci

terça-feira, agosto 14, 2007

Igorância minha

Parece-me que há alguém que acredita em mim. Calo-me perante tamanha certeza, a curiosidade parece matar aos pouquinhos. É tão boa de ouvir, a mentira. E tão boa de sentir, a ternura magoada.
Obrigada, seja quem fores. É que não podias conhecer melhor as manhas para me deixar a sorrir. Esqueces-te que isso nada é senão a tua própria identidade?
Continua a falar, por favor. Eu calo-me. Finjo um pouco mais que estou na mais plena e ingénua das ignorâncias.
Ninguém me pode voltar a dar o que apostei e perdi. Mas tu reparaste em mim. Obrigada.
Fibonacci

terça-feira, julho 31, 2007

Faltas tu

Não consegui fazê-lo sozinha. Quis mostrar que sou alguém mas nem enfrentei os monstros sem ajuda. É só mais um dia mau. Incrivelmente sinto-me inexplicavelmente bem. De um bem maravilhoso e supremo. De um bem que só não é mais mais meu porque faltas tu.
Um outro dia pior caí do meu próprio ego. Fui marcada, desde aí, sou uma raiva docilmente controlada.
Mas preciso de precisar. Preciso do meu tempo e do teu tempo. Eu não gosto só, gosto sozinha. E talvez não queira provar veneno, mas quero morrer de rir.
E então um outro dia melhor vou perceber quem sou, talvez quando descobrir quem és. Entretanto, és só mais um dia mau.
E é fantástica essa definição de bom e mau.
Conheço quem seja péssimo a ser bom.
E já vi a terrível felicidade de se ser mau.
Eu dei
Mas foi para mostrar
Não havendo amor de volta
Nada impede a fonte de secar
Ornatos Violeta, Dia Mau

segunda-feira, julho 23, 2007

Sala de espelhos

'Eu sei que és feliz', disse então. Lúcia assustou-se como se acordasse e inclinou rápida e suavemente o pescoço, espreitando para trás. Tentava vislumbrar a presença de outra pessoa na sala pouco mais que vazia.
'És feliz, tu. Por natureza e omissão.'
Mais tarde Lúcia confessaria que ficou um pouco chocada. A sua natureza irremediável e deliciosamente romântica sempre lhe havia deixado um delicado travo amargo na boca. Sempre a havia obrigado a acreditar que não era ela o mar, só podia tentar imitar a sua voz.
E assim, naquela altura, Lúcia reagiu com o silêncio indignado. Uma indignação que só ele percebeu ser um 'aceito'. Um 'aceito' terrivelmente mal escondido.
Não que Lúcia aceitasse aquela afirmação como aceitava as críticas, porque essas ainda não havia aprendido a aceitar, como nunca de facto conseguiu. Mas antes era um 'aceito' como quem recebe uma notícia, um pouco noite, um pouco alívio.
(...)
De facto foi. Foi feliz. Ali, na sala dos espelhos, sozinha e repetida mil e uma vezes, Lúcia foi feliz
Ali tinha tudo, mesmo que lhe faltasse muita coisa. No fundo, tudo o que faltava, era dela. E o que queria, já lhe pertencia.
Feliz como narcisista que era ou egoísta que queria ser. Ali, sozinha e repetida, só com aquela companhia Lúcia quase fingia que o mundo era perfeito.
E, se acreditasse em coincidências, quase que acreditaria que a felicidade existia.
Fibonacci

domingo, julho 15, 2007

Forças da Natureza

O vazio é a noção mais abastracta que o Homem sonhou. Maior que o medo, mais poderoso que a luz, o nada tão genial e assombroso. (Não fosse ele ser pura e intrinsecamente sonhado.)
Quem sabe o que quer, desilude-se. Quem não sabe nem quer, vai morrendo aos bocadinhos. O vazio não se quer nem se sabe. O vazio receia-se.
E por isso o jogo mais perigoso que o Homem alguma noite sonhou foi o futuro. Foi também o mais bonito. O vazio de querer saber para onde vai sem nunca se preocupar onde está. E só porque quem quer saber demais a vida, morre por agora.
E eu não sei.
Quero querer porque me apavora o vazio. Quero saber para dar uma nova perspectiva às minhas lágrimas. Mas, no fundo, tanto receio que nada me importa.
(...)
Alguém maior disse uma vez que "seguir-te não será morrer".
Por isso eu confio no caminho.
Gosto de saber que, faça o que fizer, vivo porque tu vives. Gosto de saber que, decida o que decidir, és o meu fado. E aconteça o que acontecer, por sempre, teremos a saudade. Por isso é tão sufocante o vazio pior que a indecisão.
Se pudesse realmente escolher, escolhia a aventura.
Mas não posso. Tu não vens.
Fibonacci

quarta-feira, julho 11, 2007

Sinal (ou A Saga do Amor-Perfeito)

Lúcia voltou tarde, já o Sol ia no seu segundo sono. A Lua vinha vindo a crescer a olhos vistos e, nessa noite, vinha também branca, gorda e voluptuosa, como o colo de uma grande e afável matrona, das antigas. Iluminava o trilho que Lúcia percorria descalça. Os sapatos na mão pesavam menos e os pés colavam-se cada vez mais ao chão. Ao íman imenso do núcleo terrestre.
A mensagem do bilhete continuava a pesar na sua lógica imperturbável e na sua mente eternamente satisfeita.
«Marquei-te pelo que és. Amei-te pelo que sou. Por aquilo que sou contigo. Que é o mesmo que sou sozinho, mas sozinho sou mais triste.»
E o passado voltava a fluir na sua memória, tão real como se fosse ontem.
E tinha sido ontem.
Só Lúcia não se apercebeu.
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Prometeste o mundo (Indecisão)

Prometeste o mundo, eu não recebi mais que uma ilha. Contaste-me histórias em que éramos heróis. Ias descobrir Nemésis para mim, dizias que era irmã-gémea do Sol. Planeámos viagens e vidas e ríamos a fugir aos planos. Falaste nos vulcões e fantásticas quedas de água que ias criar para mim. E noutras que já existiam e que eram só de nós dois.
E com uma mão mentiste tudo.
E eu continuo a acreditar cada palavra.
Até que um dia me decida a partir o quebrar da rotina e pôr-te em choque. Mostrar-te que a vida não são dois dias, mas aqueles que nós quisermos.
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segunda-feira, julho 09, 2007

Diário de viagem

Libuse nunca chorou


Libuse nunca chorou. Nunca chorou de dor, amor ou angústia. Nem de saudade, Libuse nunca sentiu ninguém.
Libuse era amarga, semelhante às deusas em tudo. Nas tranças que não tinha, no olhar que não lançava, nas paixões que não vivia, mas recordava. Libuse queria ser sozinha. Libuse era princesa. E à noite, à revelia, sonhava ser rainha, ou pouco mais. Ou mais livre, ou menos presa.
Até então, Libuse nunca tinha amado. Fugia. Mas Libuse, plebeia, por dois segundos morou naquele lugar, nas brandas curvas sinuosas do rio, no fugaz dorso de baleias que nunca viu, mas imaginou. Naqueles dois segundos, Libuse construiu uma cidade só para si, que nunca mais foi sua.
Sua, foi naqueles dois segundos em que pestanejou docemente uma acre lágrima. Água.
Ninguém viu. Só as pedras mentirosas recalcadas o sabem. E nessas, ninguém acredita.
Assim, Libuse, mulher amarga em tudo igual das deusas, manteve para o sempre a sua posição etérea, imortal e terrível.
Libuse nunca chorou. Morreu.
Praga, 5 de Julho de 2007




That would be nice.

Se um dia encontrasse, íamos viver à luz das velas, dançar eternamente despegados um no outro, como nesta noite. (A cara a arder, um formigueiro estranhos nos dedos que não querem segurar a caneta na mão esquerda.) Íamos jantar para sempre a música e calarmo-nos no grito infundo que criámos.
Se um dia encontrasse o livro dourado. E o frio do vento gelado lá fora ia esquecer-nos de tudo o que já imaginámos. Bastava fugir. Bastava querer. Fechar os olhos, abandonados ao ritmo do violão, agarrados pelas mãos e pelos olhos.
Eternamente à espera.
Eternamente irreconciliáveis.
Praga, 7 de Julho de 2007



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terça-feira, julho 03, 2007

Porque é que eu já não acredito na felicidade?

Mistérios

Odeio a insatisfação porque 90% do meu corpo é feita disso e de água.
No entanto, sou sólida. Não sou líquida.
E este é, para mim, o maior mistério da Mãe-Natureza.
Gostava de me sentir parada, quieta, celestialmente imóvel. Mas sou como a Alice, tenho de correr para ficar no mesmo sitio.
Um dia cansei-me da corrida na passadeira. Resolvi saltar para andar para a frente (só aos saltos, Kuhn!). Mas acabei de tropeçar e dói-me o pé. E é o sarcasmo dessa mão gentilmente estendida para me ajudar a levantar que me rasga a alma. De cima a baixo.
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segunda-feira, julho 02, 2007

Uma nota só

Eis aqui este sambinha
Feito numa nota só
Outras notas vão entrar
Mas a base é uma só
Esta outra é consequência
Do que acabo de dizer
Como eu sou a consequência
Inevitável de você
Quanta gente existe por aí
Que fala tanto e não diz nada
Ou quase nada
Já me utilizei de toda a escala
E no final não sobrou nada
Não deu em nada
E voltei prá minha nota
Como eu volto prá você
Vou cantar com a minha nota
Como eu gosto de você
E quem quer todas as notas
Ré, mi, fá, sol, lá, si, dó
Fica sempre sem nenhuma
Fique numa nota só.
Tom Jobim
Toda a gente sabe que o passado está à esquerda e o futuro à direita. Toda a gente sabe que não há circunferências perfeitas na Natureza. Nem triângulos. Nem nada mesmo que se assemelhe a tal. E toda a gente sabe que isto é contraditório. Toda a gente sabe que, se não há nada perfeito e à nossa escala, muito menos perfeito será o tempo. E muito menos o será assim, escalado e igualmente repartido por tudo e todos. E se o futuro de repente virasse à esquerda e nos aparecesse aí, íamos ter tanto medo como se víssemos um tronco de árvore como uma curva celeste e endiabrada perfeitamente delienada, com todos os pontos do seu limite equidistantes ao centro. Um centro perfeito e milimétrico.
Toda a gente tem noção que isto dos segundos, minutos e horas fomos nós que inventámos em cima do joelho. E que nunca um minuto irá ter sessenta segundos. E que nunca um dia teve vinte e quatro horas. Estes últimos tiveram, no mínimo, cinquenta e duas. Por isso não quero cair no erro de cair no tempo todo do mundo. Nem em todas as notas. Quero uma. Quero-a e quero agora. Quero o próprio agora. O presente que nem é passado nem futuro nem nunca vai ser nada disso porque simplesmente não está na natureza dele.
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sábado, junho 30, 2007

Nada

Lúcia lia e gostava. Gostava da carta que ele lhe escreveu. A saboreá-la, pedacinho a pedacinho, leu-a toda, muitas vezes, leu as poucas palavras pequenas. Ele não dizia nada na carta. Nada de novo, nada de velho. Era uma carta oca, daquelas que até deviam fazer barulho, pensava. Mas Lúcia gostava e continuava a ler outra vez a carta, tão insignificante nas suas três páginas.
Lúcia odiava cartas. Cartas lentas, atrasadas, substitutas mal ensaiadas de uma boa conversa. Mas aquela carta, oca e lenta, preenchia-a. E cada vez mais.
Página dois. Continua sem dizer nada. Nem mesmo nas entrelinhas, nada.
Na página três, um início de alguma coisa, mas era fumo sem fogo. Era nada. O mesmo nada que preenchia o vazio daquelas três páginas cheias.
E nem na despedida, nem na assinatura, Lúcia não lia nada de nada. E gostava.
Nunca tinha recebido uma carta assim.
Tão cheia do nada, vazia de olhar, repleta do tudo que um buraco negro suga.
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sexta-feira, junho 29, 2007

A fio

Ninguém percebeu exactamente quando foi que o dia tropeçou e finalmente caiu o negro da noite. A percepção era constantemente enganada, por ali. Quando se ia a ver, já não se via nada, nem se sentia. Porque a noite era escura, densa, pesada e extremamente palpável. Tal como se por existir noite não existisse mais nada e mais nada pudesse ser sentido. E o maior divertimento era estender as mãos para as noites, a fio, e agarrá-las, sentir o gelo do vento arranhar os nós dos dedos, e os nós das mãos e dos braços. Muita gente por ali agarrava a noite. Mas nesse dia, ninguém se apercebeu da sua chegada. Ingratos.
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segunda-feira, junho 25, 2007

Se o nosso Verão breve for venha um Inverno comprido

«Todos os dias do ano têm o seu santo cristão
As noites se não me engano só tem o S. João
Noite curta, grande amor à beira rio nascido
Se o nosso Verão breve for venha um Inverno comprido
Pé de meia, pé de dança
Mão morta à porta não bate
Bailar por gosto não cansa
Morrer de prazer não mata
Trevo das quatro folhinhas
Que dás sorte nesta vida,
Prefiro as ervas daninhas
E aquela que é proibida.
Na noite de S. João perdi o amor que eu tinha
Troquei o céu pelo chão e a brasa pela sardinha
Pé de meia, pé de dança
Manguito e rabo de saia
Como é que um santo criança
Vira a cabeça às catraias?
Traz-me caril, malagueta, cravinho e nós moscada
Faremos uma directa em calda bem temperada
Traz-me erva cidreira, hortelã, tomilho e salsa
Faz-me uma grande fogueira para eu saltar descalça.»

Erva proibida, São João do Porto,
interpretado por Diana Basto e Mário Alves



Era uma vez. Finalmente tenho sono e posso dormir. Finalmente estou cansada e posso parar. Finalmente, o Verão. E mesmo finalmente.
Não sei se da mão morta, não sei se da ceguez temporariamente efémera, não sei se da cerveja que não bebi, nem da meta que corri para não cortar. Não sei. Mas só o facto de saber, já me dá a paz necessária. Para sorrir, para não pensar, porque pensar sempre fez mal.
Agora doem-me as pernas e tenho o orgulho ferido. Os calos nos pés são a única coisa que me lembra os quilómetros percorridos, sempre sem sair do sítio. A sensação cutânea de penas arrancadas às asas é pura alucinação, eu sei. Ainda consigo voar.
Troquei o céu pelo chão. Mas o paraíso subaéreo não me atraía assim tanto. Ainda posso cair mais, mas não tenciono. Agora vou andar em círculos, agora vou fechar os olhos. Rodopiar para sempre no que nunca aconteceu.
Fiz a fogueira e saltei-a. Sinto-me plenamente orgulhosa de mim própria.
Cresci. Uns centímetros. Saiu-me um peso de cima. E veio logo outro, sorrateiro, para não me deixar mais dormir. Mas quem quer dormir? Hoje ninguém dorme. O estado de latência e a apatismo aparente são puras hibernações.
E é claro que me sinto sozinha se fui a única a acordar.
Escrita puramente monocromática. Agora sim desiludi-me.

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terça-feira, maio 29, 2007

To hell if I know where love resides.

Young lovers seek perfection.
Old lovers learn the art
of sewing shreds together
and seeing beauty in
a multiplicity of patches.

How to make an american quilt, Jocelyn Moorhouse (1995)

quarta-feira, abril 25, 2007

Liberdade

A Liberdade é uma coisa esquisita. É como o Amor. As pessoas lembram-se dela quando falta. Porque falta. Tantas vezes.
(Jurei a mim mesma que não usaria frases feitas. Mas é difícil. Toda a gente fala da liberdade. E haja liberdade de expressão!, mas imaginação nunca há e sempre é mais fácil citar que criar. Mas eu tento.)
Eu tento dizer como é importante este dia. Mas não quero mentir. Eu nunca vi a liberdade. Para mim, a liberdade é voar. A liberdade é correr e eu corro todos os dias. Se eu não conseguisse, eu ia fechar os olhos com muita força e imaginar que estava a correr. Eu ia sentir o vento na minha cara e a velocidade no pulsar do meu sangue. E eu ia, assim atada, assim fechada, eu ia ver a liberdade. Mas assim, livre, eu corro. E corro. Mas o vento faz-me frio e a velocidade assusta-me. E eu não fecho os olhos e não vejo nem imagino.
A Liberdade é mesmo uma coisa esquisita. É como a Noite. Exige tanto das pessoas. Ela quer energia, ela quer uma visão sensata e sensível, ela quer discernimento, ela quer vontade. Mas as pessoas cansam-se. Cansam-se da luta, da batalha diária contra o comodismo do doce calvário do rio que segue, e segue, mas não escolhe o seu caminho.
A Liberdade é uma coisa mesmo esquisita. É como o Sol. Nasce todos os dias. E, apesar de nada nos dizer que ele vai nascer no dia seguinte, excepto a rotina de uma crença irracional, nós sabemos que sim, ele nasce. Sabemos não por saber mas porque, antes de nascer no Oriente, ele nasce dentro de nós. Mesmo à noite, nós sabemos que o Sol vai nascer. É como a liberdade.
E eu acredito naquela coisa esquisita da qual eu nunca senti falta, aquela que eu nunca vi, aquela que me cansa e aquela que nunca me deu a certeza que aparecer amanhã. Mas acredito. Acredito cegamente. Acredito e continuarei a acreditar.
Acredito como acredito no Amor.
Acredito como acredito na Noite.
Acredito como acredito no Sol.
Acredito nela como em mim, porque somos as duas uma só.
E nem que tenha sido apenas para eu poder estar aqui a escrever a Liberdade vale a pena.
Esta foi uma frase feita. Mas o que aconteceria à imaginação, se não sonhássemos todos o mesmo sonho?

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terça-feira, abril 24, 2007

Gigantes

Eu quero ser grande. Quero ser um gigante. Quero dizer coisas de gigante, lá de cima, onde a chuva não molha.
Quero saber quem sou e quero que o mundo perceba como sou gigante e como sou bem assim.
Quero rodopiar sem sair do sítio, cansada. Quero ser como o mar. Salgada.
Quero olhar para baixo, para as estrelas durante toda a noite e, mal cheguem os primeiros indícios da manhã, quero soprá-las, uma a uma, quero apagá-las.
Quero porque somos. Todos. E eu. E tu. Gigantes.
Posso ser tudo, posso ser o que for preciso. Mas quero ser mais.
Um dia... um dia vou ser mais do que sou agora. Quero jamais esquecer o que começa já a esvair-se da memória.
Quero saber que a solidão cabe toda no meu bolso. Quero guardá-la assim para quando tu vais embora. Quero chorá-la pedante. Mas tu dizes, e eu deito-a fora, que o Inferno já não o posso guardar. Mas posso rir, posso gritar.
Afinal, vou ser gigante.
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terça-feira, abril 10, 2007

Densidade

A noite era uma das noites mais abafadas do ano. Era um bafo impossível e impossível. Um quente sem temperatura, só densidade. O quarto era uma estufa, como a praia era a lua. Os corpos mal aguentavam o lençol e repeliam-no a jorros de suor que deixava um rasto viscoso do mel nos braços, nas pernas e nos cabelos. E, apesar de tudo, aqueles corpos dormiam, semi-adormecidos, semi-enfeitiçados.
Aquela hora foi a hora mais quente e mais bafienta dessa noite. O meu braço não aguentava a pressão do ar que o rodeava e foi em vão que o tentei segurar quando cambou para baixo. Acordei-te a ti e eu acordei por aí. Os teus olhos brilhavam num brilho lustroso e meloso pelo quente, só densidade, do ar da noite. Os meus não sei. De momento, eram só os teus.
E, por instantes brevíssimos, uma brisa gelada arrepiou-me e demorei um tempo a descobrir que era a tua mão. A tua e a minha não se repeliam, como o corpo ao lençol, mas pareciam agarrar-se fortemente e contra o nosso espanto e vontade.
E a partir desse momento, todos os corpos do quarto dormiram. Até eu e até tu. Semi-adormecidos, semi-enfeitiçados. Não deves ter reparado, mas adormecemos imediatamente, finalmente seguros um pelo outro de que o ar não nos abafaria, de que a lua não encheria toda a praia e de que a manhã voltaria e, com ela, a Vida do vento norte.

segunda-feira, abril 09, 2007

Perhaps

You won't admit you love me
And so how am I ever to know?
You only tell me
perhaps, perhaps, perhaps.
A million times I've asked you,
and then I ask you over again,
you only answer
perhaps, perhaps, perhaps.
If you can't make your mind up,
we'll never get started.
And I don't wanna wind up
being parted, broken-hearted.
So if you really love me,
say yes.
But if you don't, dear, confess.
And please don't tell me
perhaps, perhaps, perhaps.
If you can't make your mind up,
we'll never get started.
And I don't wanna wind up
being parted, broken-hearted.
So if you really love me,
say yes.
But if you don't, dear, confess.
And please don't tell me
perhaps, perhaps, perhaps,
perhaps, perhaps, perhaps,
perhaps,
perhaps,
per………….haps
Cake
É tudo uma questão de prespectiva. De ângulo, talvez. Talvez. A indecisão doce e o não saber maravilhoso. E o não pecar. Muito mais cómodo, tão mais cómodo! Se o tudo nunca sair de uma mesma prespectiva nunca ninguém pode afirmar verdadeiramente que existiu, nem mesmo a uma dimensão.
E eu sei como é suposto saber. Sei porque o leio em todo o lado.
Mas saber não chega. Saber dói. E saber sem sentir dói demais.
Preferia não saber. Quem não sabe, não peca. Mas seja por defeito ou por excesso estou terminantemente condenada a saber. E a saber que sabes que eu sei.
E não vale a pena dizer que não será por muito tempo. Porque é por todo o tempo, para mal dos meus pecado, e só porque sei. E quem sabe, pensa. Quem sabe, fica. E eu já só queria ir embora.
Fibonacci

quarta-feira, abril 04, 2007

Respiração

«Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.»
Eugénio de Andrade
De repente, respiro, sim, respiro o grito que nunca me atrevi a saborear. Respiro a alvorada da liberdade. Respiro e choro e grito, como um bebé chora e grita para respirar. Esperneio e grito. E berro tanto que já nem choro. Vou beber veneno. De tanto berrar, vou morrer a rir.
Quero mais-que-profundamente a felicidade. Quero lutar por ela. Mas lutar a sério, no verdadeiro campo de batalha, com sangue, suor e lágrimas. Quero correr atrás dela no meu máximo de velocidade, como gosto de correr atrás da minha sombra só porque sei que um dia a vou conseguir agarrar. Quero esperar pela felicidade. Mas esperar feita espia. Esperar camuflada, como espero o meio-dia para ver o calor do milagre do eclipse da sombra e como espero as sete horas da tarde como a hora perfeita da união da areia e do mar. Quero conseguir a felicidade como gosto de conseguir as coisas mais difíceis. Quero gritar que a consegui quase tanto como grito que a quero conseguir.
Quero mesmo ser feliz. E quero que seja difícil. Quero consegui-lo só por mim, mas nunca há-de ser por mim só.
O determinante possessivo dessa palavra é invariável, infatível e cruelmente plural.
Sempre foi.
E sempre há-de ser.
Fibonacci

domingo, abril 01, 2007

Quase, quase

Caresse sur l'océan
Pose l'oiseau si léger
Sur la pierre d'une île immergée
Air éphémère de l'hiver
Enfin ton souffle s'éloigne
Loin dans les montagnes
Vire au vent tournoie déploie tes ailes
Dans l'aube grise du levant
Trouve un chemin vers l'arc-en-ciel
Se découvrira le printemps
Calme sur l'océan.
Christophe Barratier, Bruno Coulais
A calma do oceano, ou do próprio Tempo, só existe como mais uma maneira esquisita de nos tentarmos adaptar aqui.
Dizer que se passou quase, quase um ano é tão ridículo! Tão ridículo marcar um ponto ou outro e correr para ele como se fosse o fim. Ou o princípio. E nem é. Nem princípio nem fim. Nem nada.
Fazer quase, quase um ano só serve mesmo para parar. Parar, esticar bem os dedos, sentir, parar, dilatar bem as narinas, absorver, parar, afinar o mais possível os ouvidos, ouvir, parar, preparar as papilas gustativas, saborear. Sentir, absorver, ouvir, saborear e intuir tudo o que agora quase, quase é.
E isso, constato, é quase, quase igual ao que era, há quase, quase um ano atrás.
Reparo que só mudou uma coisa. Eu. E mesmo eu descrevi um círculo. E mesmo assim não o descrevi muito bem. Apenas me habituei a estar mais atenta. A estar permanentemente faminta por inspirações, expirações e explicações, por reflexos e por fantásticas convulsões de sentimentos que pudesse exteriorizar, sem mais nem menos, e tão cruelmente como o brilho mais-que-metálico de uma faca afiada. Depois abrandei. Depois fugi disso porque, institivamente me levava ao mesmo sítio. E, por parar, percebi que voltei ainda a um sítio mais próximo.
E cá estou. Quase, quase um ano depois. Quase, quase igual. Quase, quase uma pessoa maior. Quase, quase um gigante (agora vejo perfeitamente o teu orgulho de me teres ensinado que eu não passava de uma egoísta intelectual). Antes achava que escrevia porque queria. Agora aprendi que escrevo porque tem de ser. Senão, tudo muda. Senão, não presto. Senão, não penso. E se não pensar, não sonho. E o sonho afinal sempre comanda a vida. E é por isso que, neste ano que quase, quase começa (ou recomeça, ou sei-lá-o-quê), vou dedicar-me a outros objectivos. Vou marcar o céu e o infinito. Marcá-los como a única meta. Sei que não chegarei lá. Mas, no fundo, como em tudo o que fazemos, o mais importante é o caminho.
Fibonacci

terça-feira, março 27, 2007

Não deixes

Eu vi que eu sou capaz
Eu posso até sentir
Isso vai fazer-nos tão bem
Não nos deixei mentir
E agora tanto faz
Vou dar o mundo a quem
E aparece assim
Acendeu-se a luz
Estão vivos outra vez
Amar é bom se houver
No fundo de um de nós
Alguma solidão
Eu calo a minha voz
É tão bom ser mulher
Descobrir quais são
E aparece assim
Acendeu-se a luz
Estão vivos outra vez
Se é tão bom de ouvir
Vivo para ti
Até o nosso amor morrer
Se eu não for capaz
Eu espero vê-lo em ti
Eis como me ajudar
Sentir não é mostrar
E dar não é sentir
É morrer em paz
E aparece assim
Acendeu-se a luz
Estão vivos outra vez
Se é tão bom de ouvir
Vivo para ti
Até o nosso amor morrer
Mas deixa o nosso amor morrer
Deixa Morrer, Ornatos Violeta
Não o deixes morrer. Não. Não me ajudes. Não te ajudes. Sentir não é mostrar. E dar não é sentir. Sentir é algo muito mais infinitamente maior que morrer. Não deixes o nosso amor morrer, não o deixes morrer que ele ainda não sentiu. Porque sentir é dar e dar como quem recebe ou receber como quem dá. Como quem sente.
E eu vivo para ti, eu calo a minha voz. E a tua, e a do mundo. Enquanto ele viver, eu nem vivo nem morro. Eu só sinto. Sinto como quem dá e como quem mostra. Como um grito que se dissipa na atmosfera rarefeita, um grito como uma melodia estranha, a harmonia perfeita do Homem e do gesto. Do vácuo e da nossa velocidade nele, superior, mas tão superior!, à da luz ou do som.
Amar é tão bom se houver no fundo de um de nós alguma solidão. Mas daquela solidão tão própria, a solidão acompanhada. A solidão que sorri sozinha quando alguém aparece sem seres tu ou eu. A solidão que é solidão na distância e ainda é mais solidão no abraço. Na angústia desesperada de somente o próprio amor saber que quer viver. Se nem nós...!
Mantém-no vivo, ele não precisa de estar ligado às máquinas.
Não o deixes.
Deixa-o sentir.
Talvez assim ele viva.
Fibonacci

domingo, março 25, 2007

A mesma

«Gosto quando a minha mãe pega no meu cabelo.
Dizem que sou parecida com ela, em certas expressões, igual.
Gosto quando pega no meu cabelo e tenta entrelaçá-lo, em vão.
Dizem que temos o mesmo feitio e isso sinto-o na pele. Na minha e na dela.
Gosto quando, ao entrelaçá-lo, se debate para que o inconstante escalado caiba todo enrolado na sua mão.
Dizem que saio a ela como saí dela e só me custa que ela adivinhe tão rapidamente o que nem eu imagino que vou pensar.
Penso muitas vezes que o adivinha em mim porque apenas já o pensou nela.
Mas ela diz que não.
Excepto quando pega numa mecha do meu cabelo e tenta, em vão, entrelaçá-lo.
Pega nele como eu imagino que pegou em mim quando era tão pequenina que quase cabia na palma da sua mão.
Agora só caibo nos palmos do seu abraço.
E é por isso que, às vezes, pega no meu cabelo e tenta entrelaçá-lo, em vão. Em vão, como se quase coubesse na palma e eu me agarrasse aos dedos brancos e finos, finos e brancos de puxar para a luz outros que cabem noutras palmas.
E é por isso que sinto o peso de ser tão igual a ela. E ainda é mais por isso que sinto o imenso orgulho ao ouvir o quanto somos a mesma.
E cada vez mais, dizem.»
Fibonacci

quarta-feira, março 21, 2007

«Um sopro mais doce que a esperança»

Lugares comuns

Disseram-me ontem que a morte
é só o lugar comum da vida
Dá lugar à sorte, à fortuna e à traição
Dá a vez ao azar, ao amor de perdição.
Disseram-me que não parecia uma saída
mas um sufoco
Um ardor que arde mais a quem está vivo
que a quem está morto.
Disseram-me para não morrer que a morte mata
Disseram-me os venenos certos, disseram-me a data
Disseram-me as luas e as estrelas para tal
Para morrer sem igual.
Disseram-me a morte leve e a pesada, disseram-me mesmo assim
que é uma fachada
de uma velha casa e poeirenta onde nunca ninguém entrou.
Disseram-me baixinho para não repetir
para não dizer que foi casada
Para não a cansar, para a não dormir.
Disseram-me ainda que a morte menina
(A morte que uns querem, todos temem e ninguêm vê
Essa morte muito maior)
Disseram-me para não falar dela
e não falei.
Disseram-me antes, disseram, jurei, disseram-me segura,
Para não me deixar cair na candura
Da morte vivida,
Da vida doçura,
No amargo fazer nada quando
se podia fazer
No doce ressonar quando
se podia viver.
Fibonacci

sábado, março 17, 2007

Azul

O céu abriu-se ontem. Numa magnanimidade desmedida, o céu abriu as janelas de par a par e deixou entrar os raios azuis e novos do sol, como um grito desmesurado ao Tempo. Abriu-se de uma maneira que não enganou ninguém. Por pouco, lembrou-nos que há mais cores na paleta que não o cinzento. E que o Verão não é uma miragem. Pode exisitir mesmo.
À primeira impressão do calor natural em meses, à primeira visita do criador, ao seu primeiro abraço, estranhei a primeira promessa. Fugi e continuei a estranhar. Porque sempre desejei mas nunca acreditei que o Verão chegasse mesmo. Porque a maior parte das coisas que desejamos muito, não acreditamos que cheguem mesmo. E é isso que nos faz gostar tanto delas. O verdadeiro teste é tê-las na mão e aí ainda ter mais saudades delas do que quando não as temos em nós. O verdadeiro teste é ver o Verão chegar e correr mais para ele do que quando o esperámos no Inverno. E o verdadeiro resultado, o único, é que nos vamos aperceber que chegamos ao Verão e a cor que tanto ansiávamos, tapamo-la com os óculos escuros. E o calor que tanto quisemos, afugentamo-lo com as ventoinhas.
Mas este ano não. Os seus raios azuis e novos prometeram aquela primeira promessa e eu acredito.
Vou correr a sair de casa para morrer de calor.
Vou abrir os olhos para a cor mais escondida,
vou acordar as sestas mais pesadas,
vou adorar o mar gelado e o próprio gelo a derreter.
Vou deixar cair tudo o que em mim que é Inverno para que, mal chegue Agosto, deseje intensamente sentir de novo o calor pequenino das castanhas assadas e de novo ver as folhas a cair vermelhas.
Vermelhas e laranjas porque, apesar de tudo e apesar do Tempo, não vou nunca esquecer o cheiro do Verão.
Fibonacci

quarta-feira, março 14, 2007

Cem Anos de Solidão

«Então deu outro salto para se antecipar às predições e ver a data e as circunstâncias da sua morte. No entanto, antes de chegar ao verso final, já tinha percebido que não sairia nunca desse quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no momento em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos, e que tudo o que neles estava escrito era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra.»
Cem anos de Solidão, Gabriel García Marquez
E se tal estiver previsto e escrito nos pergaminhos indecifráveis? A última corrente de vida que por fim sopra é a esperança da sentença já suportada por outros. Porque se há coisa que se aprende é que o tempo não passa, o tempo arredonda-se um pouco mais, porque ele já é redondo.
Uma intensa sensação de dejá vu. O dejá vu que foi o crime quase perfeito. O dejá vu mais perfeito que esse crime.
Quis quase morrer e vaguear como sombra como as sombras que por lá vagueavam antes mesmo de quase se apagarem. Revoltei-me e descarrilei do comboio dos três mil do massacre da estação. Olhei para aquela que foi quase a minha casa e chorei pelo Santo António escondido e as moedas de ouro, pela descendente que ascendeu ao céu, pelas formigas vermelhas que a corroíam, pelos intermináveis anos de chuva e a miséria da seca. Morri de medo do rabo de porco e arrependi-me pela loucura tão lúcida que se amarrou a uma árvore.
Fechei o livro e a primeira reacção foi de alívio. Pois que não haja mais estirpes assim!
Abri-o outra vez e arrependi-me de tal repúdio à história maior, à síntese mais-que-perfeita do mundo.
Porque também não houve solidão mais sonhada e mais morrida. E para morrer assim, talvez valha viver melhor.
Fibonacci

quarta-feira, março 07, 2007

Ontem

Ontem foi ontem. Inexplicavelmente ontem. E ontem passou sem ninguém se aperceber que era ontem. Eu apercebi-me. Mas só mesmo ao princípio e quase, quase no fim. E ontem, ou melhor, hoje a pensar que era ontem, lembrei-me do outro ontem. Que já foi muito mais ontem do que hoje é. Esse ontem, hoje, é quase amanhã. Não dá nem para disfarçar, pois não?
Ontem, ninguém soube que era ontem. Eu soube. Pela primeira vez, soube. Se calhar, só mesmo eu. Mas eu prefiro pensar tu tens melhor memória e continuo a prefirir pensar que este ontem já passou por ti muitas vezes. Mas se calhar não. Se calhar não passam de preferências minhas.
Ontem nem é assim tão importante. Mas é bonito, um pretexto, uma desculpa para rir. Rir à descarada. E, quando ninguém estiver a ver, sorrir baixinho. Para ninguém mais ouvir. Tu conheces o meu disfarce.
Ontem foi simplesmente ontem. Ininterruptivamente ontem. E ninguém reparou.
Nem tu.

sexta-feira, março 02, 2007

Desta vez

Os dias passam demasiado depressa. O mar aqui mesmo à frente angustia-se com isso mesmo e apressa-se, sempre revoltado com tudo o que não acontece. É como eu. No fundo, somos almas gémeas, eu e o mar.
E vou descobrindo, assim, à beira dele, que mais que doer a saudade do que passou, ou do que podia ter acontecido, dói a saudade do que ainda se poderá passar. Porque o que passou, passou e o que não passou, não passou e já não incomoda mais. Agora o que será, será e ninguém sabe. E isso do princípio da causalidade... Hume tinha razão. É crença.
Mas era tão bom se pudesse acreditar.
(Entra o génio maligno, como que tentando não ser visto)
E por isso perco-me nas mundanices terríveis que me deixam esquecida do resto.
Por isso precisei de voltar aqui, outra vez, como no princípio.
Por isso preciso de fugir de mim outra vez.
Desta vez, numa fuga maravilhosa e esquecida, anamnésica.
Desta vez, sem me contentar com o que tenho.
Desta vez, sem lamúria alguma por gole.
Desta vez, sem dizer adeus.
Desta vez, a beber veneno e a morrer de rir.
Desta vez, nós os dois.
Fibonacci

domingo, fevereiro 18, 2007

Desafinado



Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados tem o ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que deus me deu

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, isto é muito natural
O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também tem um coração

Fotografei você na minha Rolley-Flex
Revelou-se a sua enorme ingratidão
Só não poderá falar assim do meu amor
Ele é o maior que você pode encontrar
Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peitoBate calado, que no peito dos desafinados
Também Bate um Coração

Tom Jobim

«Se você disser que eu desafino, eu morro de rir. Porque eu sei que diz. Porque eu sei que quando diz tal coisa se envergonha e quase chora e rebola no chão de tanta gargalhada. Você mente cada vez que me diz tal coisa, mente com quantos dentes tem nessa boca e com quanto ritmo lhe corre por essas veias. Revela-se a cada mentirinha que diz, que pensa que me magoa. E eu a você. Não, não me acredito que a sua beleza se possa enganar.

Mas na nossa música, esquecemo-nos do que somos fora dela. Eu isto, você aquilo. Isto tão diferente daquilo. Mas um único peito bate, quando somos os dois. E tudo o que você diz, você cala nesse sorriso. E tudo o que eu berro, não faz mossa. Não magoa, nem é ouvido sequer. Porque só esse compasso marcado, que isto é tão natural!, se impõe: o bater afinado do seu coração.

Não, não falará assim do nosso amor. Este é o maior que você pode encontrar. Você com a sua música vai-me sempre lembrar do principal. Calado, a rir baixinho, sussurrando, no fundo do meu peito bate e bate, que bate, um coração. O seu.»

Fibonacci

domingo, fevereiro 11, 2007

Abraço (a luz do etéreo)

«Mas não, não é luar: é luz do etéreo.»
Fernando Pessoa
É outra luz de outro etéreo qualquer. Quiçá, é essa ausência quente dessa luz. É esse escuro em que corro a fechar meus braços, e a correr meus olhos e a encostar meu ouvido ao bater sincopado desse coração. Num equilíbro desmesurado do éter ou pureza inicial, Cronos não nasce, nem morre. Porque morte morrerá. E o nascer, esse nascer, porquanto sobra para nós. A minha mão. E a tua. Porque a minha se perde na tua. Elas confundem-se, a olho nu. A subtileza errónea do início desmancha o feitiço do tempo perdido, no nosso mundo racional. Mas elas lá melhor se entendem. E falam. Falam tanto.
El-rei tarda e o prenúncio foge.
Um silêncio culpado de quem roubou o luar de outrém - só as mãos continuam num parlapier desgraçado. (Acusam-nos agora de furto completamente desqualificado)
El-rei não vem, não.
El-rei já está aqui.
Fibonacci

domingo, fevereiro 04, 2007

Quase dois

Olha aqui, presta muita atenção, toda e qualquer atenção que existe no mundo. Olha, olha que eu já li e reli. Cada pessoa é muitas. Cada pessoa desdobra-se em vinte mil. Não ao mesmo tempo, ao mesmo tempo não que seria a loucura!... Cada um de nós, por muito que não queira, parte-se e quebra-se e ninguém me vai enganar por jurar de pés e mãos juntos e por Hipócrates que no Homem não ocorre divisão binária. Ocorre.
Eu achava que te tinhas ido da minha beira. Enganei-me antes aqui. Não partiste. Eu sei que estavas sempre comigo mas por aí já nem pego porque isso ninguém vai perceber. Mas tu, no estado mais natural, no estado físico e vísivel, e gasoso quiçá, julguei que nunca mais ia reconhecer, ao longe. Engano meu. Cada pessoa é muitas. E, apesar de muitas das tuas pessoas não quererem saber, sei que uma delas pegava em mim ao colo e ria-se das minhas asneiras e ralhava-me muito e por vezes ignorava-me e tudo mas no fundo, como uma sombra não vive sem um corpo, quando chega o sol, é o corpo que não vive sem a sombra. No fundo, uma das tuas pessoas era eu. Mas nunca tu. E nem podias. Porque ninguém pode.
Agora fecho os olhos à luz e agradeço baixinho por perceber finalmente que nunca precisaste de mim. Mas sei que eu era minimamente importante. Provas não as tenho, pelo contrário. Mas eu sei, que quando me voltei a calar (como prometi que nunca mais faria), quando voltei a ouvir, quando voltei a chorar e a rir nesse escuro que ninguém percebe (que é a necessidade de protecção que só de nós vem e de uma para a outra) eu sei que fomos duas. Como duas velhas. Duas evoluções convergentes. Diverges agora, talvez, e divago eu. Mas somos duas. E por muito que corra, és tu. E por muito que agora eu seja eu e só eu, foste tu que eu um dia gostei de vir a ser, que eu um dia imitei em tudo.
E agora, agora simbiose.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

(Com)Passo de Espera Pelo Verão Enquanto a Espinha Calafria de Frio

Simplesmente nada de nada me chega.
Quero mais, quero muito e quero melhor.
Quero o sol a abrasar e a lua
(daquelas cheias e gordas e brancas)
e estrelas que continuem a cair
e ultrapassem o rasto de poeira que só são nos livros.
Quero o céu monocromático de azul eléctrico
e choque.
Quero dietas malucas.
Quero gelados.
Quero beber água e chorar água
e rir água e ser água.
Quero pisar o cimento quente, senti-lo a escaldar
nos dedos dos meus pés. Quero havaianas.
Quero o cabelo bem curto e tererés.
Quero dançar sem nada na cabeça, só o vento.
Quero dançar cada momento.
Quero a chuva quente
e correr a dançar
debaixo dela a chamá-la,
feita índia.
Quero viver sobre duas rodas ao longo da praia.
Quero não conseguir estar dentro de casa
e sentir o tecto demasiado baixo
para mim.
Quero dançar contigo.
Quero mergulhar.
Quero devorar livros na praia.
Quero e espero ansiosamente,
respiro
com
força,
mordo os nós dos dedos da minha pobre mão
e fecho os olhos para imaginar como vai ser tão bom,
no dia em que chegar o Verão.
«When I'm with you baby
I go out of my head
I just can't get enough
I just can't get enough
All the things you do to me
And everything you said
I just can't get enough
I just can't get enough
We slip and slide as we fall in love
And I just can't seem to get enough
We walk together
We're walking down the street
I just can't get enough
I just can't get enough
Everytime I think of you
I know we have to meet
I just can't get enough
I just can't get enough
It's getting hotter, it's a burning love
And I just can't seem to get enough
And when it rains
You're shining down for me
I just can't get enough
I just can't get enough
Just like a rainbow
You know you set me free
I just can't get enough I just can't get enough
You're like an angel and you give me your love
And I just can't seem to get enough.»
Nouvelle Vague
Fibonacci

domingo, janeiro 28, 2007

Se

Você disse que não sabe se não
Mas também não tem certeza que sim
Quer saber?
Quando é assim
Deixa vir do coração
Você sabe que eu só penso em você
Você diz que vive pensando em mim
Pode ser
Se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se
Eu levo a sério mas você disfarça
Você me diz à beça e eu nessa de horror
E me remete ao frio que vem lá do sul
Insiste em zero a zero e eu quero um a um
Sei lá o que te dá, não quer meu calor
São Jorge por favor me empresta o dragão
Mais fácil aprender japonês em braile
Do que você decidir se dá ou não.
Djavan
Lúcia não sabia mesmo. E afirmava veemente a sua dúvida, um dogma ao qual outrora se quis agarrar por uma ou duas vidas. Dizia que não sabia se não, senão nunca teria a certeza se sim. Dizia. Medo de se agarrar a uma falsa hipótese, talvez. Berrou-me muitas vezes que a partir do momento em que deitasse o se ao lixo, em que deitasse tudo o que a agarrasse ao futuro contra a parede (já Maria lhe dizia para preferir se arrepender do que não existiu do que do que se estragou)... O prazo acabava, chorava Lúcia. Eu gosto de pensar que não. Acredito mesmo. Eu levo a sério e disfarço, é instinto. Puro instinto. As palavras de Lúcia, enjoativas e quentes, escapavam-se como o vento do leste no Verão, inadequado e invejoso. E Lúcia chorava as águas de Março, dilúvio e monção. Benção, talvez. Ela nunca quis um a um, quiçá um e um. Por vezes sonhou mesmo querer ser quase dois.
Pois que sonhe.
Pois hoje é noite, mas noite menina.
Pois hoje é tarde, mas o sol não se pôs 'inda.
E amanhã vai ser dia, Lúcia.
Amanhã vai ser dia.
Fibonacci

terça-feira, janeiro 23, 2007

Conversas Paralelas

«Moving forward using all my breath
Making love to you was never second best
I saw the world thrashing all around your face
Never really knowing it was always mesh and lace
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you
Dream of better lives the kind which never hate
Dropped in the state of imaginary graceI
made a pilgrimage to save this humans race
Yes I did
What I'm comprehending a race that long gone bye
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you
The future's open wide
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you, yeah
I'll stop the world and melt with you
I'll stop the world and melt with you, yeah, yeah»
Nouvelle Vague
Faço minhas essas palavras. Completamente e absolutamente reais. Perco a capacidade de voar, talvez. Mas isso já não é assim tão importante. Ouço-os, ultrajam-se. Comovida, peço as mais cínicas desculpas. Que desculpas?
Não falo, não levanto a cabeça, numa ressaca tremenda e emocional. Apostei a minha vida na cadeira dourada e na pista de dança. O futuro sei-o tremendamente bem, debaixo das luzes que piscam. Mas o amanhã torna-se a maior incógnita.
Eu podia parar o mundo. Já viste a diferença, e cada vez se está tornar melhor.
Não te atrapalhes, eu não gosto do sentido conotativo. Denoto tudo e cada coisa que dizes. Ou pensas.
Não te desculpes, estragas a magia toda.
Fibonacci

domingo, janeiro 21, 2007

Não vês?

«Não vou mentir pra mim mesmo acreditando
Que uma música é capaz de expressar tudo isso
Não vou mentir pra mim mesmo acreditando
Mas eu preciso acreditar na comunicação
Mas eu preciso acreditar
Não há melhor antídoto pra solidão
E é por isso que eu não fico satisfeito
Em sentir o que eu sinto

Se o que eu sinto fica só no meu peito
Por mas que eu seja egoísta
Aprendi a dividir as emoções e os seus efeitos
Sei que o mundo é um novelo uma só corrente
Posso vê-lo por seus belos elos transparentes
Mudam cores e valores mas tá tudo junto
Por mais que eu saiba eu ainda pergunto»

Gabriel, O Pensador
'Tás a ver?
São os efeitos da comunicação, é tudo o que digo e não digo. Não, não é um antídoto para a solidão. São achas para a mesma fogueira.
Como pude sempre pensar que me bastava entornar os restos do que sinto para o que finjo que comunico? Comunico a mim própria, na melhor das probabilidades. E mesmo isso é como desterrar paciência para ouvir tudo o que nem a mim quero contar.
Como pude ficar satisfeita com isso? Como pude achar que era melhor escrever-te que dançar-te? Como pude?
Por mais que eu saiba, que não sei; por mais que eu olhe, que não olho; por mais que eu pergunte, que não pergunto; por mais que eu ria, que não rio; por mais que eu viva, eu não vivo nesta redonda dimensão achatada.
Se viver, eu vivo fora. Se voar, eu vôo raso. E alto e plano e sinto o vento como uma benção de quem não é mais que asas.
Para mim mesma eu já não minto.
E é por isso que cada vez fico menos satisfeita a sentir o que sinto se tu não sentes a verdade.
Porque sabê-la... isso tu sabes.
Fibonacci

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Nem chegaste a partir

De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
David Mourão Ferreira
«O fado é uma história. É dor a lacerar, e a profunda esperança de que o mar nos traga mais que levou.
Uma história e uma mulher vestida de preto. São loucas! Encontras, mesmo que não queiras, a tua história. Ou a minha. E só porque quem canta uma história assim, sempre acrescenta o que é. Saudade. Passado, não. Porque em todos se repete sempre a mesma história, como um presente repetido e irrepetível.
É como tudo, aprende, tu nem chegaste a partir. Eu sei, meu amor, nem tu nem eu fomos a lado nenhum. Rodopiamos talvez. Enjoamos, doentes alucinando no mar e no fogo mortiço. E nos batuques mornos na sua contínua sístole e diástole, a marcar o tempo das ondas e das velas.
Mas dentro do teu peito, estou sempre contigo.»
Mariza, live in London
Fibonacci

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Oráculo de Delfos

Demoras inexplicáveis e balbúcios como desculpas. Obrigatórias por natureza, indesculpáveis por educação.
Ruído da porta a vociferar e um pé a bater.
«Uma dor intensa apropria-se do apêndice da Personagem nº1 (que ainda não tem nome, pois é demasiado importante para ter já um nome). Não, nº1 já não tem apêndice, já estragou a outra peça, afinal foi à Ana, originalmente nº16, que já tem nome porque, claro, é a nº 16 e não precisa de um nome demorado como Coríntia.
Coríntia!
Personagem nº1: Coríntia sem apêndice.
A porta bate outra vez. Alguém saiu a chamar alguém que nunca vai chegar a entrar. Nº 1, perdão, Coríntia de pé.
Corinto de novo.
Labda dará à luz a pedra que derrubará os que governam e endireitará Corinto.
Não foi pedra, foi Pedro.
Mas Coríntia está de pé.
Quem caiu, afinal?
Aquele que foi chamado e nunca devia ter entrado, entrou. Personagem nº 17: Labda, a mãe e a arca desaparecida.
Tragédia.
Tragi-comédia.
Riso infernal.
O FIM.»

E aquelas palavras que me prometeste?
As outras duas que deixaste cair não contaram. (Anulavam-se uma à outra, o céu e o mundo.) Não sei que te atrasa. Afinal nenhum dos dois se apercebeu, nenhum viu nada. (O tanto sonhado passou despercebido, inebriado de fumos e calor). Desde já desculpa a interpretação exagerada de quem disseram que era cego. Daqueles cegos que vêem demais.
Cara a cara, muito literalmente, nariz a nariz, mãos e um olhar líquido. Como Coríntia. Despedida do que nunca assistiu por um puro arrependimento azedo. Beijo de Judas.
Ritmo de lábios selados.
A lacre.
Vermelho.
Tiraste de mim as palavras para reinventar a história desacreditada de quem acreditava em profecias que se cumpriam. Dos tempos imemoriais em que os nossos antepassados cumpriam o que desenhavam e falavam a cantar sobre homens maiores que os homens e mais fortes que os deuses.
A peça jaz inacabada e apenas uma pessoa chora, a personagem número 17.
Dá-me essas palavras, eu nem preciso delas. Deixa-me fazer nascer o inascível.
Fibonacci

domingo, janeiro 07, 2007

Perspectiva

«Everybody says I'm a lonesome kind of guy
I've been defeated by them all
If they can find me
I'm done
Everybody knows that it really doesn't matter at all

Everybody says I shouldn't mess with you no more
If you see me on my own
Drive on

If I were dismissed
I would've gotten much more
If I wasn't that kind I wouldn't care at all
Sooner or later
Sooner or later
Sooner or later
I'll change my whole perspective»

Phoenix
Toda a gente sempre me disse para fazer tudo, que tudo era o melhor que poderia alguma vez fazer. Derrotaram-me, reconheço. Tudo agora é muito e muito e tanto tempo lançado ao céu, à noite, às nuvens, no dia em que não se vê bem o infinito. E esse tudo agora é desculpa para tudo.
Não era bem melhor?
Toda a gente sempre sempre me disse para não mexer mais na ferida aberta.
Escandalizo-me.
Eu nunca. Eu tudo. E por dentro rejubilo, primeiro. Se toda a gente diz, tu pensas. Mas depois, páro o contentamento ironizado e as falsas comoções tossidas. Tu não pertences a este mundo, como te podes aperceber? Aposto que alguém roubou esse pronome (que deixou de ser comum a partir do momento em que me apeteceu que fosse só teu).
Ninguém diz que sou sozinha, eu. Eu e mais ninguém. E ninguém diz mas eu sei. E não gosto, claro que não, e sei que se não fosse eu era tudo bem melhor. Gostava mudar a minha perspectiva, mais cedo ou mais tarde, ser o que toda a gente diz que sou. Mas não sou.
Chamam-lhe trauma.
Vou rir.
E eles nunca irão saber que eu concordo com eles.
Já contigo é diferente. Não sabes. És de outro mundo, claro que não sabes. Mas mal voes daí comigo vais perceber.
Vou rir.
E eles nunca irão saber que tu concordas comigo.

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sábado, janeiro 06, 2007

De lareira acesa

A neve cai lá fora como batalhões, como patorras de elefantes, muito pouco poética, essa neve.
Um simples raciocínio faz-me dar graças pela monotonia sedenta do vazio na qual a minha vida se tornou. Assim penso e só assim escrevo, traço notável do carácter amador sem experiência ou sem qualquer valor da minha suposta arte.
Se tudo fosse neve e se a neve fosse água, se o condicional se ultrapassasse e o futuro corresse ao passado, as minhas mãos iam-se cansar.
Ou talvez não. Talvez explodissem para algo muito melhor. Algo que eu não conheço, que é tão maior. E eu ia crescer e deixar de escrever estas coisas ridículas que só teriam valor se fossem cartas de amor, que são ridículas. Sendo como são, ar puro já demasiado quente, não mereciam existir nem na minha cabeça. Só na tua.

E foi assim que surgiu a ideia de matar o meu diário e começar a escrever para ti. Para ti que nem sei quem és mas sei que amo. Todas as cartas de amor são ridículas. Assim não preciso de ter vergonha da necessidade de matar a abstinência do papel e da caneta sem qualquer inspiração.

A cabana está fria, o livro pouco avança e as ideias vão escasseando. As personagens aborrecem-se no papel e a lareira quase que adormece a meio das suas funções. A noite que avança deveria ser meu suporte, mas continuo aqui, sozinha, neste descampado serrano invernoso, sem conseguir o que quero dela: inspiração. As estrelas brilham mas não é para mim. Talvez não devesse ter vindo para aqui a correr atrás do sonho. É melhor fechar tudo e esperar que esse único momento real do meu dia-a-dia, o sono, me revele mais do que eu quero saber.

Só isso é tão bom.

Fibonacci

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Daqui a pouco

31 de Dezembro, ou será já 1?
Desenhos estranhos do céu. Demasiado científicos, cuidados, pensados e pesados, equilibrados. Quem disse que havia equilíbrio no céu? Para depois com as aparências!
Agora. Agora o que não aconteceu aperta-me a garganta. E o que pode ser o decair das forças, no daqui a pouco que não existe porque não, mata-me, corrosivo, é da acidez, é da concentração daqueles iões, que irritantes!, que se intrometem.
Na brisa que corria impávida por entre ondas sonoras e marítimas, fechei os olhos para ver, já que o telemóvel não funcionava. Fechei com muita força para imaginar bem. Julguei sentir o movimento e o ruge-ruge que vocês, que se consideram acima, concedem deitar como neve a quem vos vê de cá de baixo. E julguei que o sentido me faria berrar de dor sem coração. Mas não. O poço que me espera não é assim tão violento. Apenas frustrado. Vejo a comida que não posso comer, esfomeada, mas não me esforço para a agarrar. E a água sedenta não foge porque não a sufoco. Isto não é Inferno. Porque eu não quero. Não me interessa. Quero sorrir com o que tenho, que só é mau porque não posso ter mais. Tão perto.
Gostava caída de saber que o que me mentes é verdade.
Que estou mesmo aí. Mas estou aqui. Por enquanto estou aqui. Já me julguei capaz de ultrapassar esta quinquilharia que é o espaço. E sou. Mas percebi que há um obstáculo maior. Que usa a aleatoriedade como bombas.
Mas eu tenho uma mão vazia de outras coisas maiores: noites e dias, luas e sóis, música e silêncio, olhares.
Vazia porque as lancei para ti.
Ajudas?
Talvez seja melhor voltar para o calor. Vamos, vou festejar o tempo.
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