domingo, fevereiro 18, 2007

Desafinado



Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados tem o ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que deus me deu

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, isto é muito natural
O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também tem um coração

Fotografei você na minha Rolley-Flex
Revelou-se a sua enorme ingratidão
Só não poderá falar assim do meu amor
Ele é o maior que você pode encontrar
Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peitoBate calado, que no peito dos desafinados
Também Bate um Coração

Tom Jobim

«Se você disser que eu desafino, eu morro de rir. Porque eu sei que diz. Porque eu sei que quando diz tal coisa se envergonha e quase chora e rebola no chão de tanta gargalhada. Você mente cada vez que me diz tal coisa, mente com quantos dentes tem nessa boca e com quanto ritmo lhe corre por essas veias. Revela-se a cada mentirinha que diz, que pensa que me magoa. E eu a você. Não, não me acredito que a sua beleza se possa enganar.

Mas na nossa música, esquecemo-nos do que somos fora dela. Eu isto, você aquilo. Isto tão diferente daquilo. Mas um único peito bate, quando somos os dois. E tudo o que você diz, você cala nesse sorriso. E tudo o que eu berro, não faz mossa. Não magoa, nem é ouvido sequer. Porque só esse compasso marcado, que isto é tão natural!, se impõe: o bater afinado do seu coração.

Não, não falará assim do nosso amor. Este é o maior que você pode encontrar. Você com a sua música vai-me sempre lembrar do principal. Calado, a rir baixinho, sussurrando, no fundo do meu peito bate e bate, que bate, um coração. O seu.»

Fibonacci

domingo, fevereiro 11, 2007

Abraço (a luz do etéreo)

«Mas não, não é luar: é luz do etéreo.»
Fernando Pessoa
É outra luz de outro etéreo qualquer. Quiçá, é essa ausência quente dessa luz. É esse escuro em que corro a fechar meus braços, e a correr meus olhos e a encostar meu ouvido ao bater sincopado desse coração. Num equilíbro desmesurado do éter ou pureza inicial, Cronos não nasce, nem morre. Porque morte morrerá. E o nascer, esse nascer, porquanto sobra para nós. A minha mão. E a tua. Porque a minha se perde na tua. Elas confundem-se, a olho nu. A subtileza errónea do início desmancha o feitiço do tempo perdido, no nosso mundo racional. Mas elas lá melhor se entendem. E falam. Falam tanto.
El-rei tarda e o prenúncio foge.
Um silêncio culpado de quem roubou o luar de outrém - só as mãos continuam num parlapier desgraçado. (Acusam-nos agora de furto completamente desqualificado)
El-rei não vem, não.
El-rei já está aqui.
Fibonacci

domingo, fevereiro 04, 2007

Quase dois

Olha aqui, presta muita atenção, toda e qualquer atenção que existe no mundo. Olha, olha que eu já li e reli. Cada pessoa é muitas. Cada pessoa desdobra-se em vinte mil. Não ao mesmo tempo, ao mesmo tempo não que seria a loucura!... Cada um de nós, por muito que não queira, parte-se e quebra-se e ninguém me vai enganar por jurar de pés e mãos juntos e por Hipócrates que no Homem não ocorre divisão binária. Ocorre.
Eu achava que te tinhas ido da minha beira. Enganei-me antes aqui. Não partiste. Eu sei que estavas sempre comigo mas por aí já nem pego porque isso ninguém vai perceber. Mas tu, no estado mais natural, no estado físico e vísivel, e gasoso quiçá, julguei que nunca mais ia reconhecer, ao longe. Engano meu. Cada pessoa é muitas. E, apesar de muitas das tuas pessoas não quererem saber, sei que uma delas pegava em mim ao colo e ria-se das minhas asneiras e ralhava-me muito e por vezes ignorava-me e tudo mas no fundo, como uma sombra não vive sem um corpo, quando chega o sol, é o corpo que não vive sem a sombra. No fundo, uma das tuas pessoas era eu. Mas nunca tu. E nem podias. Porque ninguém pode.
Agora fecho os olhos à luz e agradeço baixinho por perceber finalmente que nunca precisaste de mim. Mas sei que eu era minimamente importante. Provas não as tenho, pelo contrário. Mas eu sei, que quando me voltei a calar (como prometi que nunca mais faria), quando voltei a ouvir, quando voltei a chorar e a rir nesse escuro que ninguém percebe (que é a necessidade de protecção que só de nós vem e de uma para a outra) eu sei que fomos duas. Como duas velhas. Duas evoluções convergentes. Diverges agora, talvez, e divago eu. Mas somos duas. E por muito que corra, és tu. E por muito que agora eu seja eu e só eu, foste tu que eu um dia gostei de vir a ser, que eu um dia imitei em tudo.
E agora, agora simbiose.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

(Com)Passo de Espera Pelo Verão Enquanto a Espinha Calafria de Frio

Simplesmente nada de nada me chega.
Quero mais, quero muito e quero melhor.
Quero o sol a abrasar e a lua
(daquelas cheias e gordas e brancas)
e estrelas que continuem a cair
e ultrapassem o rasto de poeira que só são nos livros.
Quero o céu monocromático de azul eléctrico
e choque.
Quero dietas malucas.
Quero gelados.
Quero beber água e chorar água
e rir água e ser água.
Quero pisar o cimento quente, senti-lo a escaldar
nos dedos dos meus pés. Quero havaianas.
Quero o cabelo bem curto e tererés.
Quero dançar sem nada na cabeça, só o vento.
Quero dançar cada momento.
Quero a chuva quente
e correr a dançar
debaixo dela a chamá-la,
feita índia.
Quero viver sobre duas rodas ao longo da praia.
Quero não conseguir estar dentro de casa
e sentir o tecto demasiado baixo
para mim.
Quero dançar contigo.
Quero mergulhar.
Quero devorar livros na praia.
Quero e espero ansiosamente,
respiro
com
força,
mordo os nós dos dedos da minha pobre mão
e fecho os olhos para imaginar como vai ser tão bom,
no dia em que chegar o Verão.
«When I'm with you baby
I go out of my head
I just can't get enough
I just can't get enough
All the things you do to me
And everything you said
I just can't get enough
I just can't get enough
We slip and slide as we fall in love
And I just can't seem to get enough
We walk together
We're walking down the street
I just can't get enough
I just can't get enough
Everytime I think of you
I know we have to meet
I just can't get enough
I just can't get enough
It's getting hotter, it's a burning love
And I just can't seem to get enough
And when it rains
You're shining down for me
I just can't get enough
I just can't get enough
Just like a rainbow
You know you set me free
I just can't get enough I just can't get enough
You're like an angel and you give me your love
And I just can't seem to get enough.»
Nouvelle Vague
Fibonacci