sábado, dezembro 23, 2006

O dia em que nevou no mar

Dizer pouco é bom, pensava enquanto esmigalhava areia pelas luvas. Dizer pouco sabe bem mas há uma sede de aqui voltar, mesmo quando nunca cá estive.
O céu era bonito. O céu era estrelas, bem separadas, pontos brilhantes, definidos e calados.
O céu era mar. Não vinha ver o mar fazia muito tempo, falar com ele, bebê-lo pelos olhos, pela boca e pelos ouvidos. O mar era sempre esquecido nesses dias. O mar e o céu com as estrelas separadas.
Queriam neve, queriam frio, queriam música!
E o mar nessa noite era música, celestial e açucarada.
O mar era frio, frio bom, frio das luvas, que faz rir.
O mar era também neve, neve no seu estado mais escondido, mais humilde. Era neve também que abandonava as levezas fúteis do branco. Era neve azul, mas neve.
Nunca conheci outra neve, disse, talvez demasiado alto para o co-habitante da praia. Dizer muito sabe melhor na neve. (O caranguejo não concordou e correu a rir-se de mim.) E na lareira. E no fogo que mata neve. E no fogo que vem da neve. Da neve branca. A neve azul não puxa fogo. É inócua. É por isso que ninguém a ouve por estes dias. Ninguém sabe o que inócua quer dizer.
Dizem pouco, pensei calada outra vez. Mas dizer pouco é bom.
Fibonacci

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Onde?

Querida Maria,
Já lá vai um tempo desde a última vez que nos vimos. Espero que esta te encontre de boa saúde. Como vão as coisas por aí?
(...)
Não, não te deves estar a interrogar porque motivo escrevi. É Natal, certo? Toda a gente escreve pelo Natal.
Mas o meu problema é mesmo esse. Não encontro o Natal em lado nenhum, Maria, não encontro.
Nem nas janelas. Nem nas portadas. Nem nas lareiras. Nem nas fogueiras. Nem nos barulhos. Nem nos embrulhos. Nem nas figuras. Nem nos anjos. Nem nas músicas. Nem nos ruídos. Nem nas luzes. Nem nos sentidos. Nem na comida. Nem no frio. Nem na multidão. Nem no vazio.
Muito menos em mim...
(...)
Eu queria o frio que nos lembra o calor, sabes? É tão bom... Eu queria a minha mão a trabalhar. Eu queria comida para dar.
Eu queria luz das velas, não dos candeeiros. Eu queria anjos feitos de sonhos, não de carne e osso. Eu queria sentir cada momento, Maria, cada pessoa, cada melodia. Eu bem queria!
Mas o Mundo já se encarregou de me mostrar que o Natal não é sempre que o Homem quer. E mesmo às vezes nem 25 de Dezembro é. Temos sorte, quando há Natal. Ele tem de ser bem cultivado, desde cedo, com muitas cuidados. Como o Principezinho fazia com a sua rosa, lembras-te? Mas eu, eu esqueci-me da redoma e agora não encontro o meu Natal. Tenho pena, é mais um ano a esperar. E a rezar muito, não vá o Mundo fazer das suas.
(...)
Oh, eu sei! Tenho a minha parte de culpa.
(...)
No entanto, talvez saiba onde o posso encontrar. É a minha última hípótese.
Acabo aqui por hoje. Tenho de procurar.
Um beijo enorme desta que te adora.
Sempre tua,
Lúcia.

Quiçá (Ferida Aberta Noutro Peito)

Talvez o que sempre é tudo, voe.
E o que sempre é riso, chore.
Foi sol, é água, é terra.
Foi fogo, é neve, é feliz.
Talvez a raiva arda
Talvez a saudade enjoe
Talvez a fuga incandescente não sirva
Ou talvez não.
Talvez um beijo inconsciente nos cure, ao de longe.
Talvez alguém nos dê a mão.
Ou talvez outrem nos roube o que é sagrado.
Foi sagrado, é templo, é tempo.
Porque a cabeça abana condolente
sempre, foi assim
(o vento é pária, é nossa sina!)
Mas não quando a brisa roça perto.
Aí, cola-se a nós O Fim.
Talvez.
Ou talvez não.
Não sei.
Quero acreditar em algo maior.
Quero acreditar na transformação.
E o que era Vida, ultrapassa-a.
E o que era caminho, torna-se perfeição.
E o que era Amor, engrandece-o.
O que era Esperança, é Salvação.
Talvez.
Ou talvez não.
Fibonacci

terça-feira, dezembro 19, 2006

Uma última batalha

O corpo linchou a alma.
O mar engoliu o barco, cego e feio.
A terra caiu sobre o Homem.
O cavalo pisou o guerreiro.
As ondas que batiam cansaram-se
Da areia sovada que se calou.
A lança caiu estridente marcando
O chão, a raiz que urrou.

Num grito sem gravidade, celestial,
As cabeças unânimes levantaram
A voz ao céu (e os entes que lá dormem, brilharam!)
Na luz partida do orvalho,
Numa via sacra final.

A alma sobrevoou o corpo
Despedindo-se num beijo demorado.
E o tempo, esse tempo, riu-se, afinal
São só os nossos pedaços o pecado.

Porque viver por ti é mais que viver
E morrer por ti é nascer
outra vez
Eu vi
A terra absolver
O Homem.
O Homem que já nem Homem é.
É mistério.
É melhor.
É fé.
Fibonacci

domingo, dezembro 17, 2006

A tree called life

Porque às vezes tudo o que possa dizer soa a plástico, é tão vão de sentido.
Porque às vezes "perco um continente", perco uma ilha e "uma chave" e a maravilha cai estridente no chão. E do pó se levanta a voz que todos conhecem e ninguém reconheceu.
Porque às vezes me apercebo, e deviam ser mais os dias, que não me expresso tão bem como isso.



I carry your heart with me
by E. E. Cummings


I carry your heart with me (I carry it in
my heart) I am never without it (anywhere
I go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
I fear
no fate (for you are my fate,my sweet) I want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you
Here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart
I
carry your heart (I carry it in my heart)

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Sempre, corria sempre


Filípides continuava a correr. Sempre. Corria sem força nas pernas, corria com a cabeça balançando ao ritmo do corpo, caída como morta ao lado do pescoço. Corria sem réstia de ar nos pulmões, corria sem pingo de água no seu corpo, dado que esta escorria pela sua pele, encharcando a sua túnica. As sandálias mal lhe protegiam os pés do caminho pedregoso, mas, oh isso!, isso ele já nem sentia. Filípides corria apenas com uma réstia de esperança.
De Atenas até Esparta, de Esparta até Maratona. Ainda não sabia bem porquê. Esperava no seu mais profundo pensamento que a mensagem que trazia animasse as tropas por apenas mais um bocado. Que aguentassem, os espartanos vinham a caminho!
Filípides via tudo como um filme, como se já tivesse passado há muitos, muitos anos. Como se isso fosse possível! E corria. Sempre, corria sempre.


Chegado à planície, viu Maratona coberta de corpos estendidos no chão. Quanto mais se aproximava, mais os semblantes dos estrangeiros contorcidos na poeira do chão e os seus trajes, tão estranhos!, lhe indicavam o caminho para o campo da Morte. Aí, caiu aos pés do General. Sem fôlego, quase sem vida, Filípides sussurrou o fardo que transportara ao longo daqueles quilómetros. Milcíades sorriu, escarnecendo. Pois que viessem. Bem que tinham caído seis mil persas e apenas uma centena dos seus Homens. Agora, ai agora! Agora vinham os espartanos.

Olhou então o rapaz que, deitado no chão de pedra, dava-se por caído. 220 quilómetros os separavam Esparta. Aquilo era um esforço sobre-humano. E foi então que o enviou novamente. Apenas mais 40 quilómetros. Era preciso alguém para anunciar a vitória em Atenas e nem um cavalo o poderia fazer tão rapidamente como um corredor treinado.


Filípides correu, assim, sempre subindo até encontrar o pequeno tempo de Dionísio. Aí, parou. Agora nem o seu metabolismo o ajudava. Não tinha água, mas também não tinha sede. Não tinha já sandálias, mas também achava que já não tinha pés. Corria apenas pela força de vontade. Se ao menos o seu corpo compreendesse! Se ao menos um dia o perdoasse...


Filípides nunca mais se lembrou dos 25 quilómetros, colina abaixo, que o separavam de Atenas. Correu inconsciente, transportando algo maior do que o seu corpo aguentava: um novo futuro para Atenas. Para aquela Atenas que ao longo dos séculos seria lembrada como uma das maiores civilizações do mundo. Aquela Atenas que, a partir daí, começaria a desenhar o futuro de algo maravilhoso para o mundo: a democracia.


Mas Filípides nunca soube disto.

Chegado à Pólis, gritou com todas as forças que lhe restavam: «Atenas venceu, celebrem!».
E expirou.
Olhei rapidamente para trás. Mas não consegui ouvir mais que um ruído rouco.
Fibonacci

sábado, dezembro 09, 2006

Rainha de Copas

Mais uma viagem? Deves estar a brincar... Até parece que não te conheço! A ti e aos teus joguinhos, que nos levam tão lá abaixo. Afundamo-nos no menos-infinito. Olhamos para cima, de bruços, num caixão, o eixo das ordenadas a apontar o infinito e o céu que não nos quer, aqueles pontos de descontinuidade que nos matam devagarinho.
Não vais ter sorte nenhuma, dizem, ai não.
Tal como eu.
E se descermos mais uns andares? Somos intrusos, eu sei, invasão e abordagem. Antes espiões. Cépticos. Muito cépticos. Podíamos lá descer pelo menos mais uma vez. Hécticos. Uma dorzinha de alma e comichão no cotovelo. É do frio, eu sei.
Dizem-me que não há nada como quem nós queremos ou como quem nós perdemos.
(Ou como quem nos perdeu... - Ah ah! Que não jogasse!)
Agora que as folhas se queixam do carvão, eu vou ouvindo os seus latidos enquanto me perco, espinal medula abaixo. Nervos. Bem lá abaixo está uma cave de números menores que zero. Cada vez mais menores. Tanto que me obrigam a esquecer por um bocado a gramática que não foi criada para os expressar (são cada vez mais pequeninos e irreais!).
E eu tão grande!
Sinto-me uma Alice num País sem Rainha de Copas. A cair, eixo abaixo. Se ao menos voasse. Ou uma tangente. Ou uma chave.
«É por isso que andas atrás dela e ela atrás dele. Mas dizê-lo não vai mudar nada. Não, não.»
Mas isso não me importa. Sigo o coelho enquanto espero que um sonho me caia no colo. Bem que é certo: é mais fácil sonhar de olhos bem abertos, a olhar o infinito de estrelas que não vemos.
Mas eu sei que lá estão.
Consigo ouvi-las.
Baixinho.
Perfeitamente.
Fibonacci

Excertos de "No Buses", Arctic Monkeys

terça-feira, dezembro 05, 2006

In a manner of speaking

Numa maneira de me expressar, tão comum de tão rara que é, silencio-me num sorriso mudo. Corro o cabelo do papel e a caneta cansada da semântica que me confunde e se ri de mim. Imploro-te de lábios selados por um grito infindo, uma palavra calada, morta e ofegante no chão. Uma palavra em que tu pegues devagar, um passarinho caído que voltas a sossegar no ninho, numa manhã opaca e branca de Inverno.
Sem dizeres nada, eu percebo-te. Gostava de aprender a voar como tu, nas bancas rasgadas das ruas do Outono e das castanhas; voar como uma castanha.
Naquela certa maneira, eu gostava de ser como tu e calar-me como um livro. De uma certa forma, gostava que percebesses calado que o meu grito não é assim tão fútil e o meu silêncio é a paz do guerreiro que cai do cavalo. Gostava que percebesses que as minhas palavras são tuas, são teu reino, mandas nelas. Gostava que baixasses sempre o polegar, pois, com a outra mão, tu ias levantar a minha face cansada e o meu queixo senil. A tua sentença de morte é a menina dos teus olhos e o remate à minha esperança. A esperança de veres as palavras que calas nas minhas que grito.
O mundo idolatra-te, orador, porque não dizes uma única palavra.
E porque, quando dizes, elas nada significam para eles.
Só para mim.
Tanto para mim que grito.
Fibonacci

Poder de síntese

Tu.
Quem? Eu?
Não mais de uma palavra.
Palavra e meia.
E nem mais um grito, talvez um olhar.
Palavra e meio olhar e estamos combinados.
Para mim?
Para mim.

domingo, dezembro 03, 2006

Tenho-te saudades

E o pior é que não,
pois não.
Pois posso!
e digo-o e tu ris,
sabes tão bem para quem é.
Claro que estás
redondamente
enganado.
Tão enganado.
Rio do teu engano redondo.
Rio que serpenteia numa tonalidade acre
e doce.
E nas doces margens
pára
para
descansar.
Nunca pensarás que é de
ti
mas tenho-te saudades.
Saudades redondas.
Fibonacci

domingo, novembro 26, 2006

Parêntesis (Paraíso)

«Sinto quente. Muito quente. Estranho calor emana do paraíso, julguei que as chamas alastrassem lá por baixo, mas ao que vejo não. Ou melhor, sim. O calor emana é de mim. E esta claridade escura-me e vejo as minhas palmas azuis, tão frias. Frias não, pouco quentes. Complementaridade de bases. Desvarios absolutos e genéticos. Quente, frio, que é isso do morno! O frio tem o poder do calor. Do teu calor. Do teu calor que me assombra e arrepia. Porque quando tu me pegaste, como folha, folha papel, folha árvore a cair, como folha rasgada tu pegaste em mim e eu perdi-me, espinha abaixo. Imagino imagens sem nexo e coerência lógica. Tão reais, mesmo assim. Passou, foi um sonho real que nem me apercebi. Paraíso. Calor. O Teu. Frio meu, desvario em febre. Pegaste em mim e pegaste-me a febre que não tinhas. Sinto quente. Muito quente. É o paraíso. Não, é a febre.»

de um diário que só li porque estava aberto

Desafio

«O Amor é esquisito.
O Amor não serve para nada.
O Amor escreve-se com letra maiúscula por pura vaidade dos
Românticos que se perdem na Palavra que também leva maiúscula porque,
na Verdade,
não existe.
O Mundo não foi pensado para levar com
Aquele Amor à mistura.
Gosta mais do Amor fácil dos doces Olhos amargos bem
Cerrados.
E falangetas bem abertas.
Aquele Amor nunca serviu para nada.
Só estragou Vidas e construiu Verbos.
Desperdício!
Dão a Vida por Palavras que agora, ao olhar para
Mim
Se calam.
Riem-se.
Berram, histéricas.
Calem-se, ridículas!
Não vêem?
É tão bom o amor assim.
Eu não preciso de vocês, nem das letras grandes,
Nem das grandes letras,
Nem dos gritinhos extasiantes.
Eu danço.
E ele gosta.
Isso é amor.
Com letras pequeninas.
Porque fora da nossa alma
Porque o esboço do espírito
Porque o canto do mudo mundo
Porque o amor não gosta que o vejam
Porque quer que o sintam.»

Não foi Fibonacci,
foi alguém que lhe disse
e, sem dúvida, que concorda.
Que nos perdoe Shakespeare no seu túmulo
que para nós o amor nunca vai ser assim.

sexta-feira, novembro 24, 2006

No fundo de um de nós.

Já ali estava há algumas horas. Sem nada que fazer, pensavam os seres não-pensantes que por ali passavam sem sequer olhar. Claro, nada que fazer! Quem fica assim tanto tempo, na estação, sem entrar no comboio, sem abraçar pessoa alguma que chegasse, sem mesmo olhar para os vultos que saíam, ali, à noite?
S. Bento, à noite, e Lúcia ali parada, sem nada para fazer.
Nem mesmo um cigarro. Lúcia não fumava.
Nem mesmo um livro. Lúcia lia, mas porque raio havia de ler numa estação de comboios?
Nem mesmo um olhar esperançoso, num raio x à multidão, a ver se encontrava alguém. Lúcia não queria encontrar ninguém.
Por isso se especou ali. Onde os passos redobravam as vontades de amar e onde o excesso de pessoas cansava ao ponto de se sonhar sozinha.
Tudo aquilo porque tudo o que esperara chegara. O problema do que chega é que passa e Lúcia queria mais. Mas porque é que nunca ninguém lhe havia dado mais? Lúcia queria a eternidade. E a eternidade, sabia, não existe sozinha.
Era isso que Lúcia olhava ali, especada entre tantos relógios, o tempo. Porque só agarraria o espaço atemporal quando percebesse o tempo. Porque só amaria quando visse a solidão.
Lúcia queria morrer à noite e acordar de dia, afundada de cor. A felicidade instantânea, essa, deixava-a para os mortais. Ela precisava de alguém que lhe oferecesse a cura para o tempo e para a solidão. E esperava esse alguém ali, nos comboios, esperando que quando passasse lhe dissesse olá.
Foi ali que encontrei Lúcia. Quando me contou isto não acreditei nela. Doida! Mas eu conhecia-a tão bem. Não sei donde. Talvez ali, dos comboios.
Gosto de pensar que sou diferente dela.
Estou cansada de tentar fugir disto, disto que se calhar nem existe! - disse Lúcia.
«Amar é bom se houver no fundo de um de nós alguma solidão»
Talvez.
Ou talvez não.
Não sei.
Fibonacci

domingo, novembro 19, 2006

Rituais

« - O que é um ritual? - disse o principezinho.

- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - É o que torna um dia diferente dos outros dias e uma hora diferente das outras horas. Por exemplo, os meus caçadores têm um ritual. À quinta-feira, vão dançar com as raparigas da aldeia. Por isso, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear às vinhas. Se os caçadores fossem dançar num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.»

O Princepezinho, de Antoine de Saint-Exupéry

Porque eu deixava a porta aberta e tu, gentilmente, limpavas os sapatos no tapete. Inútil, claro, pois logo que entravas tiravas os sapatos e a gravata e as preocupações. Mas era o nosso ritual.
E era a nossa casa.
Era tão bom na nossa casa!
Lá eu espectava tudo isso como mais um desconcerto lógico de ti, tão usual e tão raro, nessa tua e minha alma, a nossa casa.
Mas eram cada vez mais e mais rituais na nossa vida que depressa esquecíamos que eram sagrados e invioláveis e secretos, pois toda a gente os via. Cada vez mais que eram menos. Que tu já faltavas. Que eu gritava o silêncio daquela culpa que me agrilhava ao que não devia. Porque se te olhava fora daquele ritual só nosso, tinha vergonha e medo que já não fosse importante para ti. Porque se me encontravas na Terra, no solo, no chão, eu tinha medo de não passar do rastejo, de ser mais uma a carregar a suave maldição de Eva.
Era tão bom na nossa casa!
Na nossa casa, eu era anjo, e nas pontas dos pés nós agarrávamos estrelas.
E voávamos, na nossa casa, em dois passos de dança, nós voávamos.
Quem dera o mundo revirasse os seus ideais e nos deixasse fazer da Vida um só ritual.
Um ritual de espera, o ritual do encontro.
Do vôo.
Da música.
E da dança.
Fibonacci

Vila Viçosa, 16 de Fevereiro de 1999

« (...)
Muita gente liga, António, muita gente. Gente tão diferente, gente do campo e da cidade, doutores e crianças... Muita gente liga e eu assisto surpresa todos os dias aos pedidos previsíveis daquela gente e às ainda mais pressentidas dedicatórias. Amor. Tudo dedicatórias de amor. À mãe, ao pai, à filha e ao genro e mesmo à tartaruga da Joaninha! Mas sempre amor.
(...)
Vivo feliz todos os cinzentos e santos dias com esta gente que para lá liga e insiste em me chamar doutora, apesar da minha licenciatura ser filha única. E mandam bolos para a redacção, para a Sra-Dra-do-Pragrama-da-Noite. Quando o Ferreira, o técnico, se entretém a baralhar esta gente, lá ouço um Dra. Milinha da Maia (vergonha das vergonhas para minha mãe que, como sabes, nunca outra coisa permitiu lá em casa que Emília).
Muitas noites passo assim, das 11h às 2h, o programa da noite da Rádio Viçosa. Discos Pedidos.
Tu sabes, António, o porquê da mudança do gigantesco e assombrador Solar de Vila Viçosa para o pequenino estúdio. Mas és o único. (...) Desde há muitos anos que aquela rádio é a minha casa. Aquela gente que liga é a minha família. Conheço a todos pelo nome, a Vila é pequenina, e toda a gente me faz companhia quando pode. Até mesmo o Sr. Padre, sabendo que num dia não ia ter muitos ouvintes, lá ligou, pedindo "aquela do bailarico que agora anda aí muito na moda" e após inúmeras insistências frustradas de saber pelo menos o nome do artista lá levou com o último hit no countdown de Vila Viçosa.
(...)
E foi sempre assim até àquele dia em que ele me ligou. Eu não o conhecia, António, não mesmo, eu juro. Juro-to a ti já que a mim nunca me vou convencer disso, pois mal ele falou eu soube que havia algo nele que eu sempre soubera. Porque não somos o que somos, somos o que fomos e o que havemos de ser, já dizia o Padre António Vieira.
Mas nessa noite, foi outro o disco. Ele ligou e não pediu música, pediu-me a mim. Disse que precisava da minha ajuda e eu da dele. Disse-me que sempre me tinha conhecido e eu a ele. Disse-me para ir ter com ele. Disse-me isto tudo, em directo, na Rádio Viçosa. Disse-me tudo isto e, como por magia, ninguém ouviu. Naquele dia, ninguém ouviu o programa, nem mesmo o Ferreira, que, por vezes, adormecia.
E eu, sabiamente louca, fui. Fui ter com ele, no fim da emissão, aonde dissera estar. Mas não o encontrei, não estava lá.
Nunca mais o vi, nunca mais me ligou. Continuo à sua procura, continuo a tremer cada vez que toca o telefone na redacção à espera que seja ele. Continuo a acreditar que precisava muito de mim e que eu não fui a tempo de o ajudar.
Ajuda-me tu, agora, António, que eu já não consigo mais.
Peço-te, por favor, que me deixes visitar-te aí no Porto. Tirei férias. Preciso do mar. Preciso de pensar. Preciso de ti.
Responde logo que puderes.
Sempre tua amiga,
Emília.
Fibonacci

terça-feira, novembro 14, 2006

Porque

«Sei que o que tinha de ser se deu
Porque era ela
Porque era eu»
Porque eras tu e ele.
Foste tu que lhe faltaste ali
no sítio onde estava
Foste tu quem lhe lembrou a música
que o outro tocava
Foi o teu vôo que ele contemplou
a luz d'oiro do sol
que à meia-noite aparecia.
Lua redonda, sol de dia.
Uivam os lobos à lua cheia
Pé de meia p'rós ovos na mesa
E uiva ele à menina
que de merdinha enche os seus olhos.
Abrindo-os e fechando-os
num ritmo desacelarado e brutal
Que acorde aquele tal
que adormeça
onde é que isso lhe interessa?
Ciúmes à porta rangem.
Palavras à porta ficam.
A culpa foi toda do beijo!
Pelo que vejo do prazer
não é no fim
assim
tão fácil.
- Mea culpa.
- Desculpas aceites.
- Mas que bonito o amor andará! Tens razão... Mais nada de mim sairá.
Fibonacci

Letra inicial da música
"Porque era ela, porque era eu"
de Chico Buarque

domingo, novembro 12, 2006

Maria

Todas as persongens desta história são fictícias.
Qualquer semelhança com o real é puro acaso.
Lúcia andava de um lado para o outro no quarto. Não sabia o porquê de tudo aquilo agora. Tanto tempo depois. Tanto tempo depois tinha de se lembrar. E tinha de viver tudo outra vez? Não era justo. Não queria viver outra vez aquele dia.
Nesse dia, como de costume, Maria falava e Lúcia ouvia. Desenganem-se, esta Lúcia é outra. Dois anos antes, estava practicamente irreconhecível. Apenas por fora, claro. Mas continuando a nossa história: Lúcia ouvia o que Maria falava. Porque Maria falava bem.
Mas Lúcia estava já farta. Farta de tanta hipocrisia da sua parte, farta de tanta mudança por parte de Maria.
Oh Maria! Onde andas tu, hoje?
Maria era a rocha, Maria era a Vida, Maria era simplesmente Maria. Mas Maria hoje já não era mais Maria. Desde aquele dia.
Lúcia cresceu tanto nesse dia.
Tanto que explodiu: "Maria, já não aguento! Quando quiseres voltar ao que eras, eu vou estar aqui. Mesmo que já ninguém esteja, eu espero por ti. Até lá, não me faças cúmplice disso. Até lá, Maria."
E Maria só respondeu, friamente: "Tenho muita pena que penses assim."
Lúcia saiu, vagueou dois anos pela rua, cresceu, desescondeu-se das saias de Maria. Para ela, Maria morrera.
Bela morte a de Maria!
Lúcia chorou-a. Lúcia fez os quarenta dias de luto negro. Depois fez-se à Vida.
Mas ontem Maria voltou. Maria voltou àquele mesmo lugar onde juntas tinham chorado e rido tantas vezes. Onde Maria ensinara a Lúcia tudo o que sabia e onde Lúcia absorvera toda a informação e carinho como se de um sacramento se tratasse. Como uma benção dum céu nunca idolatrado.
Maria voltou.
Mas Maria não foi ter com Lúcia, como lhe havia prometido. Maria cumprimentou Lúcia, como simples conhecidas e Maria seguiu em frente.
Maria riu.
Lúcia chorou.
Chorou de saudade.
Chorou do síndrome da abstinência que tinha feito de Maria durante dois anos.
Chorou porque queria Maria de volta.
Chorou porque Maria não queria voltar.
Fibonacci

Quando pára o samba

A lua não era redonda e as estrelas não brilhavam. E se tal acontecia não importava porque Lúcia não queria que a lua fosse uma salva de prata nem as estrelas uma outra de palmas.
Para ela, a noite era feia, tinha de ser, porque só isso tinha lógica.
Aquele baile estava a ser uma valente porcaria, pensou. Só pessoas a fingirem-se de interessadas na música pseudo-interessante que saía da grafonola a fingir de velha e a cair de podre. Que felizes estavam as pessoas! Dançavam a valsa e rolavam ao ritmo do passado. Estúpidos! Não era de ver então? Faltava ali os ruge-ruge dos vestidos. E o flap-flap das pestanas postiças. Ninguém pode dançar a valsa de calças de ganga! É estragar o sonho...
Aquele baile estava a ser uma valente porcaria, pensou.
Oh! Quem lhe dera lá estar...
«Você só dança com ele
E diz que é sem compromisso
é bom acabar com isso
Não sou nenhum Pai João
Quem trouxe você fui eu
Não faça papel de louca
Pra não haver bate-boca
Dentro do salão
Quando toca o samba
Eu lhe tiro pra dançar
Você me diz: Não
Eu agora tenho par
E sai dançando com ele
Alegre e feliz
Quando pára o samba
Bate palma e pede bis»
O fim da música acordou Lúcia outra vez. Sim. Tinha a certeza que ele lá andaria, no meio ruge-ruge das calças de ganga, entretido com o flap-flap das sandálias espartanas. Porcaria de baile! Tinha de acontecer...
Mais um evento para lhe lembrar como o Mundo se tinha esquecido de reservar uma hora para o Amor. Ou para a Música. Ou para Rir. Vá lá, Lúcia, não sejas mesquinha. Isso é tudo a mesma coisa. O Mundo simplesmente já não acredita em nada disso e, a ti, não tas vai deixar conhecer. Vai-te mentalizando. Ou acordas para a Vida ou a dormes toda no sonho.
Mas eu não quero acordar. Desde que também sonhes comigo...
Oh! Aquele baile estava a ser uma valente porcaria, pensou.
Fibonacci

Música de Chico Buarque, «Sem compromisso»

quarta-feira, novembro 08, 2006

Ode ao Narcisismo que Apetece e ao Amor Puro

Ode ao Narcisismo que Apetece
e ao Amor Puro
«Ele não é Narciso
Mas ele gosta de mim
Ele não tem qualquer encanto
Tirando o facto de gostar de mim
Eu sei quem ele é quando tenta ser secreto
Só porque gosta de mim
Mas ele não me tira do sério
Excepto quando me diz que gosta de mim
E eu nem gosto dele
Mas ele gosta de mim»
Só tu, Amor Puro,
Sim! Tu que também gostas de mim
Não me dás a consolação de gostar
De te ver a contemplar e me sentir admirado
(Admirável Mundo Novo)
Algo nunca falado...
Mas isso eu sempre falei!
De que importa de quem gostei?
Ou de quem me olha assim?
Tu sabes, sempre soubeste,
Que és a metade de mim.
És tu o meu ego exacerbado
Num único espírito,
O meu único Fado.
Autor-que-não-quer ser-identificado
Porque o Amor Puro às vezes tem destas coisas. Destas coisas de se rir do Amor em Vão. Porque o Amor Puro foge hoje para viver para o amanhã que se esconde. E porque o próprio Amor Puro também se esconde atrás do tempo e gosta de jogar ao gato e ao rato.
Porque isto diz tudo o que quis dizer, não me posso deixar de acreditar.
Porque isto não diz nada de novo, não posso deixar de desconfiar.
Obrigada a quem me roubou as palavras.
Fibonacci

sábado, novembro 04, 2006

Chocolat

Que bom era!
Fora de mim sem me queimar.

Vejo a liberdade a correr, pela janela
(ou será só o vento?)
Essa liberdade maluca mete-me inveja.
Quem dera pudesse ser assim
não ligar a quem fala por mim
fazer ouvidos moucos
aos sussurros roucos que perturbam
aquele que eu imaginei perfeito.
Mas perfeito não
Perfeito é a solidão
Porque a solidão não tem tempo
nem espaço, nem outras pessoas
a solidão não tem vergonha
a solidão anda nua pela rua
a solidão diz que vale a pena sonhar
a solidão canta enquanto foge do luar
a solidão desenha cidades a lápis.
E a única consolação que lhe sobra
à pobre da solidão
é a saudade.
E a liberdade.
(Aquele vento sem eira nem beira)
Claro que a solidão sozinha
é frio, chocolate quente.
Posto isto, perfeito
perfeitamente
Não vens comigo?
Fibonacci

domingo, outubro 29, 2006

Cosi fan tutte

Sei que peca por excesso e por defeito, sei que é mau, sei-o todo. Mas por favor abandona-me por um pouco, orgulho...
Tu também, Pessoa, Ivanhoe!, abandona-me ele, ela, nome estranho.
Hoje está um bafo que apetece. Hoje sabe-me a boca a estufa e cheiro de estio. Hoje apetece deliciar-me na 1ª pessoa (apetecia-me ver que leste e comentaste o que escrevi...); hoje está um ar que apetece cair na falta de gravidade apenas por um bocadinho não literário. Apetecia-me dormir, acordar e ver que no Mundo Novo estavas sempre aqui. Tantas e tantas vezes que até me cansei de ti e tu de mim. Tantas e tantas vezes que ver-te chegar já não era surpresa. Tantas e tantas vezes que eu enjoei do que vestias e tu do meu corte de cabelo. Tantas e tantas vezes que tu perdeste todo o interesse em mim e eu pensei muito mais noutras pessoas. Mas tantas e tantas vezes antes de essas vezes terem chegado nós estivemos. E só isso, por ora, me interessava.
Não vaciles, não. Então não sabes como sou? Não me acredito em nada do que disse. Mas também por alguma coisa gosto tanto deste nosso Velho Mundo.
Tu não?
Fibonacci

quarta-feira, outubro 25, 2006

Uma outra Malinche

– Era quem matasse o tempo! – vociferou Malinali. Voz e punhos cerrados. Sobrolho e dedos carregados. Os olhos, muito verdes como os da mãe, faiscavam laranja e vermelho como o pôr-do-sol na sua terra-natal.

«Não podes matar o tempo, Malinali, não podes... E mesmo que pudesses de nada te servia. O tempo arrancou-te aquilo que és, eu sei. Mas o vazio nada te pode trazer.» Cortés pensava tudo isto no seu olhar tão doce, que Malinali não precisou que falasse. Como aliás nunca tinha acontecido.
Tinham crescido juntos e desde que se haviam habituado a gatinhar e comunicar sem precisar de palavras, nunca mais as usaram entre si.

Cortés era branco. Muito branco e muito loiro. A única coisa que lembrava o seu pai eram os olhos castanhos, muito castanhos e muito fundos, como chocolate quente. Malinali era negra e a única coisa que lembrava a sua mãe eram os seus olhos verdes, verdes como a água e como a terra. De resto, todos os seus movimentos, olhares, costumes e todo o seu coração espelhavam seu pai, sua terra, sua avó.

– O tempo levou-te, Malinali, mas não arrancou o que em ti bate.

«Como te podes esquecer? Como? Não te lembras, agora? Porque não te lembras?»

– Era quem o matasse, Cortés... – mas Malinali conseguiu então ouvir o que ele não queria. E, pela primeira vez fazia muito tempo, sorriu.
Sussurrou agora.
– Do tempo, de bom só a saudade. E mesmo essa, peço-te mata-a!

Os lábios de Cortés, entreabertos, cortejavam os seus, ela via. E deixavam antever um leve travo a canela e noz moscada. Como sempre, deleitavam-se a esquecer as palavras.

Fibonacci

Personagens e título inspirados
no livro «Malinche» de Laura Esquivel

terça-feira, outubro 24, 2006

Constelações


A grande árvore centenária ainda se mantinha de pé. Ladeada por muitas outras ervas colossais, nascidas nos tempos de outros deuses, mantinha-se firme na sua velhice e solidão, eternamente abraçada à Mãe-Terra.

Os olhos escuros do centauro pousaram nela. Todo o vale, do cimo daquele monte, lhe pareceu muito pequenino na sua vastidão imensa e verde. O vento zumbia nos seus ouvidos já marcados pelas durezas das guerras que havia travado. Morto pelo descanso do pós-batalha, derrotado nas cerimónias de honra e ócio, ambicionava há muito partir de novo. O arco e a flecha a tiracolo suspiravam por novas aventuras, sim. No entanto, o seu coração semi-humano não o deixava partir em paz. Eram aqueles olhos…
Mwadii observava ao longe o robusto guerreiro. Como queria, também ela, fugir daquela calma asfixiante! Como queria morrer na ébria confusão do campo de batalha, renascendo então das cinzas ainda quentes, no colo da morte menina. Queria voar. Queria agarrar o tempo e galopar à frente dele, fazendo-o engolir a poeira e a vingança dos anos que passou algemada à sua tribo e àquele odioso Vale, vendo o belicoso centauro partir. Desta vez ele não iria. Como se podia atrever a querer mantê-la segura na sufocação daquela paz? Aquele enfatuado, aquele arrogante! Como queria estar perto dele... Não! Abanou a cabeça e todo corpo numa rápida convulsão arrepiada para se esvaziar deste último pensamento intolerável.
O vento e os lagartos que a ouviam murmurar este discurso, também meneavam a cabeça, mas desaprovadoramente. Nem queriam acreditar. Aquela não era a Mwadii que haviam visto crescer por entre o calor abafado das ervas e os sussurros gelados da Noite. Não podiam acreditar no ódio quente e rouco que brotava dos seus lábios. Preferiam acreditar na brisa, que um dia por lá passara e lhes sussurrara, como um segredo, que aquele ódio ao centauro nada mais era que amor.

Fibonacci

Imagem e imaginação
cedidas por Arlequim.
Obrigada.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Chuva

A noite passara como ele passava todos os dias pela Rua de Cedofeita. A noite passara no seu passo apressado, com aquele olhar concentrado, onde os olhos semi-cerrados tentavam fugir, arrastando o corpo atrás de si. A noite passara sem eu dar por ela, e eu nem tentei segurar o tempo, colar-me a ele, como fazia. Não. A noite passara como se nem existisse.
E lá fora, o tempo gritava. Arrancavam-lhe um dente podre sem anestesia e ele queria berrar toda a dor, queria exorcisá-la para sempre do seu corpo. O tempo chorava lá fora e toda a baba e angústia pareciam domar as árvores que tremiam (tremiam e soluçavam como varas verdes que, agora mais que nunca, preferiam não ser!). Lá fora o tempo gritava bem alto tentando acordar-me. Mas a noite embalou-me demais e não o ouvi.
E foi então que me apercebi da sua presença. Daquele pequeno lamento. Não, não era um lamento. Era uma música. (Música tão baixinho, àquela hora?) Uma benção, talvez...
A chuva caía mas não era daquelas que lembravam as tristezas da noite anterior. Não. Aquela chuva lembrava gaivotas, mar, nevoeiro, coisas boas, gelados em dias frios de Verão. Lembrava o medo que os gauleses tinham de que o céu lhes caísse na cabeça, lembrava pedacinhos de céu a cair na minha cara, nas minhas mãos, nas palmas das minhas mãos como conchas, tentando levar para casa, na pele, um presente das nuvens.
Aquela chuva segredou-me baixinho, para nunca me esquecer. Rodeou-me e apenas me sussurrou "Como é bom sonhar de manhã, ainda debaixo de trovoada!" E eu não disse mais nada, com medo que tu desaparecesses.
Fibonacci

domingo, outubro 15, 2006

D. Maria e as 15 Palavras

As ruas iluminadas saudavam o seu andar pachorrento, de passos curtos e abafados, sorridentes de tanta saudade. Tinha iniciado aquela viagem, fazia nesse dia, 82 anos. E que viagem!, pensava.
Tinha uns olhos bonitos, D. Maria, eternamente sorridentes no seu brilho-chocolate, mesmo quando as cataratas ameaçavam já a sua liberdade. Havia sido com eles que D. Maria, no fulgor da sua ilusão (como gostava de chamar à juventude!), tinha presenciado o desvendar do mito, da Noite e do céu. D. Maria parou. E ali, naquela rua, lembrou-se. O calor abrasivo da eira, o céu de estrelas tão desenhado. Enfim... A sua crença.
Já lá iam uns sessenta e cinco anos...

A Mãe-Terra anunciava no seu vermelho-fogoso a primeira noite de Verão mas, abraçada à Noite, escondia-o no amarelo-suave em que a Lua, sua oriunda, se deleitava. Maria gostava correr para a eira, todas as noites de Verão e aí deitar-se a falar com a Terra, as cores, naquela cirurgia do solo, que todos os anos se regenerava para que o Homem pudesse, mais uma vez, cortá-lo e arranhá-lo, para se tornar uno com ele, num agradecimento profundo à Água, à Terra e ao Sol.
E foi então, naquele divertimento de acção de graças, numa gargalhada curta de Vida, cheia de nada e de verdade, foi então que viu o céu. Rompendo-se em dois, deixou cair a sua bênção, água que correria para sempre no rio que ali dormia perto. E ali Maria compreendeu aquele ciclo, a beleza do “bis!” que a natureza gritava todos os anos.

D. Maria acordou das suas recordações com as correrias de umas crianças que, de novo naquele primeiro dia de Verão, agradeciam àquela bola, não à Terra, que os fazia gritar “Golo!” no calor contente das férias. D. Maria sorriu. Distinguira perfeitamente a voz de Artur, seu neto. Sim. Ela sabia que aquela viagem ainda valia a pena.

Fibonacci

sábado, outubro 14, 2006

Pós-Fogo

Deixei-me voar, eu sei. Voei um pouco demais. Agora que relanço o olhar do verde limão ao horizonte e vejo o reflexo dos monstros no rio, agora percebo.
Quantas palavras!
Repito para mim mesma, para nunca me esquecer. Repito que as palavras que voam não nos deixam aterrar. E agora, aterrada, caída na margem direita do rio, revejo a avionete em cinzas, lembradas ainda do calor que foram no repasto da noite anterior. Naquela calma de quem mais nada teme, até poderia ser contente. (Arribei às docas do pânico no fogo, porque haveria de, agora, não querer encarar a solidão do rio, à minha esquerda, ou da selva que me cuspiu e me olha feroz?)
Olhava a terra, a querer renascer um pouco mais verde. Poderia dizer que, na calma do que passou, me atrevia a me pensar feliz.
Mas há caminho.
E, sim, tenho um outro medo.
Tu viste o fundo do poço quando eu só olhava o meu reflexo nele, agora que quero ser a água, corro o risco de afundar.
Se outros perguntaram porquê o nome daquela rosa, eu só queria saber porquê o teu nome. Esse nome. Essa coisa, palavra e som que te agarra.
Quando apenas se resume a um pequeno passo para dizeres quem és.
Fibonacci

sexta-feira, outubro 13, 2006

Adamastor

Naqueles dias de que lembro, havia uma certa sorte. Uma sorte danada, um raio sem escolha, um escolho contente. Um delírio, Adamastor!
E ai de quem a visse, que ela era cega. E ela dava voltas, naqueles dias de que me lembro, porque não tinha onde parar.
Mas, naqueles tempos sem dias, nada foi acaso, jogo, incerteza. E a meta de todos os Homens e animais tornou-se a procura. Mas só a sorte, danada!, era a achada...
Eu vendi a metade pelo terço, rosários por carvão. Num quarto de casa que o botão não ocupa e o sorriso não alcança. Sim. Foi nessa dança, naqueles dias sem tempos e tempos sem dias.
Eu não parei. Não ia olhar para trás. Não ia ser sal.
Renunciava a todo mal!
Agora tenho o medo de, na confusão do atalho, (um trabalho que não é teu), te percas, Romeu! Metade que completa.
- Hiberna, Verdade, que há-de chegar a tua razão quando o coração pressentir a luz da Noite por um só olhar.
E eu só quero cumprir o destino. E estou tão bem assim. Tu é que sabias, como sempre... Matar as saudades.
Fibonacci

terça-feira, outubro 10, 2006

Sintomas

«Síndrome, alma, recato, maravilha, tonalidade, imortalidade, pesticidas, romanticidas!, metáfora, anáfora e ana-crusa.
(...)

Podia continuar. Mas antes parar que aquela Palavra entendeu aparecer e já aqui chegou.
Sim. Saudade.
Saudade vem do latim solitas, a solidão. Mas nós rodopiamos tanto à sua volta que ela já se perdeu na décima segunda onda. (...)
Nunca nada se viu como essa Palavra Saudade. É uma solidão doce, com um gosto a amores esquecidos pelo ar e pela lua. É uma solidão simples. Uma simples solidão por apenas faltar alguém. E esse espaço é uma ébria melancolia sóbria. Um desamor correspondido.
E eu podia contar-te tantas histórias da Palavra Saudade! Um dia fugiu, tornou-se música.
Nasceu o Fado.»
Fibonacci

Texto redigido
aquando do trabalho
«A minha palavra preferida»
para a disciplina de
Língua Portuguesa

sexta-feira, outubro 06, 2006

Passo double

Tenho a certeza que daria certo. Sim, tenho a certeza. E eu ia contar-te essa história mil vezes e outras mil e mais umas sem conta. Mostrava-te os meus rascunhos, como quem mostra estrelas. Podia apresentar-te às minhas coisas, como quem aponta constelações numa noite de Verão. E eu ia...
Mas tu, calado, calas-me. Dizes que não. Danças o teu pé esquerdo como se fosse o meu e num tango desenfreado tu falas. Pelas mãos, pelos olhos, por todos os teus poros a brotar água tu falas.
O foco cai sobre ti e eu corro a levantar o pano. Escondo-me do teu solo. Só teu. Porque só quando tu falas ou sorris é que o teu mundo é meu. Mas a música sussurra mais alto que o meu bater descompassado e desafinado a latejar nos ouvidos. E pára. A música pára e aquela força mais forte que a gravidade puxa-me e empurra-me e eu já não posso fazer nada.
Passo double.

Oh sim! Tens toda a razão.
Fibonacci

domingo, outubro 01, 2006

Parte III (Terceiro acto)

Agora era o mar que ali encontrava a paz eterna.
A manhã e a maré subiam e o sol impunha agora a sua presença. Aquecia as algas e o sal. Aquecia a vila que ardia e fervilhava no mercado e que, nas praças pachorrentas, se deitava a descansar. O burburinho do mar sussurrava no fundo do canto dos encontros.
Quando saiu, Marina cumprimentou a praia ao de longe, levantou-lhe o chapéu como velhas conhecidas. Depois, sorriu ao sol desculpando o chapéu - não era nada contra ele!, ele que não levasse a mal. Enquanto se dirigia ao mercado, observava as ruas e as pedras, tão pretas e quentes nos seus pés quase descalços, ria-se às paredes caiadas e aos vendedores de refrescos e gelados. Tudo naquela manhã lembrava o mar e, no entanto, ele parecia esquecido pelas pessoas, pelas ruas e pelas pedras. Mas ali continuava, espelhado pela água das fontes, pelas mãos das vendedeiras, nos olhos de Marina e no seu nome... Especialmente nos seus olhos. Nos seus olhos negros de chocolate. Nos seus olhos que um dia haviam testemunhado o mais sagrado dos rituais da água. Nos seus olhos em que um dia o mar se havia perdido.
Perdida também nos seus próprios lugares, olhou aquele horizonte cor-de-céu como se o respirasse pela última vez. Expirou-o então, como quem se purifica do ar, do chão, do tecto de poeiras que, por agora, não sentia mas que anunciavam a chegada da estrada que daí a uns dias a levaria para longe da sua única casa.
(Continua tu. Querias saber o fim. Não sei se ainda queres. Mas, assim, pode ser que lá chegues primeiro que eu.)
Fibonacci

«Nas manhãs de Itapuã que o vento varre
Os coqueiros já conhecem as canções
Repetidas ou
Repentinas vêm
Consolar o meu coração
As vontades vêm
As saudades vão
Amanhece mais um verão


No calor do sol o céu da boca salga
E o mar na alma acalma o caminhar
Pra que haja areia sal e água e alga
As ondas
Não voltam


Cada dia uma nova eternidade
Para sempre aquela pedra roncará
A aurora se transforma em fim de tarde
De novo
De novo»

Arnaldo Antunes

domingo, setembro 24, 2006

Silêncio tempo

À Mafas.
E não só.
Hoje sentei-me e lembrei do que disse uma vez. Disse-o para fora. Mas, acredita, disse-o a pensar em mim. E em tudo o que fui quando pensava naquilo que tu sabes, mana, porque ouves cada letra que arrancas da minha cabeça e cada palavra que me voa do peito.
Os olhos não mentiam. Ou melhor, o mover de olhos, brando e piedoso não enganava ninguém. Ela sempre tinha olhado bem em frente e de maneira tão audível! Agora definhava o seu sorriso e desfazia-se na ausência de lágrimas. Nessa altura preferi que chorasse.
Se assim fosse, eu abraçá-la-ia e limpar-lhe-ia os olhos do lápis borratado. E ficaríamos caladas naquele silêncio bom. Mas assim, assim não. Aquele silêncio esmagador que é o silêncio de quem nada pode dizer tornava-se infindo. E então falei. Falei para não estar calada. Mas ao falar, compreendi-a.

- É tão bom gostar de alguém. E doer a cabeça por essa pessoa, por vezes, não parece tão mau como esvaziar-se dela!
E aí percebi que não falava dela, daquele espelho reverso e tão semelhante a mim, irmã gémea tão fora dos genes. Não, eu não falava dela. Falava de mim. Falava de mim e do que não queria nunca mais falar. De ti. Porque contigo eu percebi esse silêncio bom. O silêncio de quem tudo disse naquele olhar, nas mãos daquele abraço, no cabelo, nos lábios e no espírito. Em mim. Mas não nas palavras.
Percebi principalmente o silêncio tempo. Não a palavra tempo. Esse mistério para os Homens, deixo-o a quem o quiser apanhar. O silêncio tempo é grande, muito grande, e muda tudo. No silêncio tempo, vivi-te, morri-te e fiz o luto, esqueci-te e voltei a encontrar-te. No silêncio tempo encontrei-te e agora sei que estás sempre aí. Porque és Goldmundo e eu Narciso. Porque sou espírito e tu alma. Porque amigos. Eu sei... Amigos naquela palavra que reservo para ti, para ela e para poucos mais, porque essa palavra maior não se diz. Sorri-se.
Fibonacci

sábado, setembro 23, 2006

Pedro tem asas

«Todos os Homens têm asas.
Pedro é Homem.
Pedro tem asas.»
Os anjos são pessoas boas.
Inês é boa pessoa.
Inês é anjo.
O que vive, morre.
Pedro e Inês vivem.
Inês e Pedro morrem.
Mas Pedro tem asas.
E Inês é um anjo.
Como poderam chorar?
Melhor viviam.
Melhor morriam.
Se os deixassem voar.
Fibonacci

domingo, setembro 17, 2006

Isto é só um copo

Finalmente. Música para ouvir de olhos fechados e sentir de mãos abertas. Finalmente. Música.
Música que antes de ser música era poesia. Poesia que antes de ser poema era sentimento.
Ouviu-a em apenas duas respirações, aspirou-a num só fôlego e deixou-se cair, cansada e espantada depois. Sim, finalmente música. E parecia que a banda sonora não acabava ali. De repente, sentiu como um salto na vida. Uma independência. Uma vontade de mudar o visual como nunca tinha feito. Um novo look. Não. Uma nova atitude. Apenas uma vontade de nunca mais andar com as costas curvadas. Ser como era e tinha muito orgulho em ser.
E em toda a esfera, a vida parecia-se cada vez mais com aquela música. Chorava as canções que cantou para si mas apenas queria abraçar a lua aquela noite. E nunca mais pensar só em si para estar sóbrio.
As coisas não tinham o mesmo significado. Em nada. Não, não ia seguir um curso normal, cheio de educação e boa vontade. Não, iria para as terras mais longíquas estudar o que sempre tinha sentido como a sua verdadeira vocação. Vocação, não, paixão. Devoção. Criptografia. Uau. Que nome pomposo. Nome perfeito para esta nova fase.
Os últimos acordes marcaram o fim daquela música. Fase. Hmm... Nunca tinha gostado daquela palavra. Fase. Passageira. Efémera. Maligna. Mas também o contrário a assustava. E, se a arte é tão efémera assim, porque não o pode ser a própria atitude? Talvez daqui a um ano descobrisse que tudo não passava de mais uma fantasia e voltasse para a sua licenciatura bem portuguesa e estável. Mas agora, agora não.

Replay.
Do início o som, segundo zero.

Afinal, que mais é ter dezasseis anos?
Fibonacci
Isto é só um copo
Eu não bebi de mais
Achei que era diferente
E são todas iguais.
Escrevi canções sobre ela
Mil noites sem fim
Deixou-me neste bar
A cantá-las pra mim

Eu bebo da garrafa
Tomo um gin de manhã
Se oprincipe era o sapo
Ela devia ser rã.
Eu amo quem eu sei
Que não me vai amar
Mas só assim me dá
Vontade de cantar

Mas a dor insiste
Não dá pra esquecer
Mas o peito insiste
E não a deixa morrer

E eu não vou deixar de beber
Como gin
E para estar sóbrio não basta
Só pensar em mim

Nao era isto qu’eu queria ser
E o que me deixa mal é o que me faz viver
Sinto a roupa fria e o corpo dorido
Sinto o cheiro a vinho mesmo sem ter bebido nada

Isto é só um copo
A boca já me arde
O homem varre o chão
E diz que já é tarde
“Senhor só (bon voyage) é hora de fechar”
A lua é a mulher
Que hoje vou abraçar.
Ornatos Violeta - Dez Lamúrias por Gole

domingo, setembro 03, 2006

Roda Viva

Ela nunca pensou que isso pudesse mesmo existir. Uma terceira dimensão. Sempre tinha tido as suas coordenadas fixas: tempo e espaço. As palavras mais confusas, as declarações mais apaixonadas e os discursos mais preserverantes. Tudo o que dizia, respirava, escrevia e o que, no fundo, a guiava eram sempre precedidos do tempo e encontravam-se no espaço.
(Hoje, (...) Sim, hoje! Percebeste bem? (...) Não, isso só posso entregar amanhã. (...) Onde? Claro que estará lá!)
Mas o tempo passou.
E agora o tempo só é preciso para dizer «Agora já não há tempo».
E não sinto o tempo, nem a distância. Só o mar.
E, sim, estou com os sintomas da saudade.

Por Chico Buarque e Fernanda Porto,
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda peão
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira pra lá
A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola pra lá
O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda peão
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
Chico Buarque
Fibonacci

terça-feira, julho 11, 2006

Façam as vossas apostas

Apetece-me arriscar
Faz, faz a tua aposta
Apetece-te viver como quem gosta
Não é para quem quer
Mas para quem pode
Quem acode e aguenta
A tormenta de ti.

Apetece-me arriscar
Aquele arrisco de começo
E só porque te conheço e reconheço
Que vou sair a perder.
Perder limpo.
Jogo sujo.
É o que sabes fazer.

Apetece-me arriscar
Arriscar a feijões e um beijo
E uma salva de palmas ao desejo
E uma vénia às leguminosas
Às poderosas que te sustentam
Nesse vício de pretensas
Ilusões do que vivi.

Um brinde a ti.
Fibonacci

domingo, julho 09, 2006

Você me apareceu

Você me apareceu
Fez o tudo virar nada
E vice-versa
Fui submersa
A azeitona na empada que era eu
Você é dona do caroço da azeitona da empada que comeu.
Você me apareceu
Fez o nada virar tudo
Me deixou mudo
De tão tamanha
'Cê me acanha
Minha estranha
É o prazer de que sempre padeço
É do fim começo e reconheço
Que o avesso sempre esteve aqui.
Minha estranha
É o engano de minha certeza
É o insano que há na beleza
A tristeza que me faz sorrir.
Você me apareceu...
Kaleidoscopio
Uma corda fora do sítio. Aquela corda fora do sítio não incomodava ninguém. Mas era, não o podia negar, uma corda fora do sítio. Tinha vivido sempre com a guitarra com aquela corda fora do sítio. E até gostava dela. Tinha-se habituado, com o passar do tempo, àquela corda fora do sítio. Que nunca, mas nunca (sublinhe-se!) tinha incomodado ninguém.
Quando ele passou e se riu, com aquele riso que não vivia sem o olhar dirigido à pressa para baixo, tão à pressa, tão para baixo e tão cuidadosamente pensado como o cabelo desalinhado naquele seu estilo don't care at all but do like to fashion you, quando ele passou e se riu, subitamente lembrou-se da corda fora do sítio.
A corda sempre tinha sido esperta. Sabia que não pertencia aí. Ao princípio resmungava e recusava-se a afinar e a cumprir o seu trabalho (mas afinal para que lhe pagava?). Mas depois cansou-se e deixou-se soar. A partir de então, soava sempre como ela lhe obrigara que fosse, mas o seu tom angustiado de não pertencer ali estava, mesmo que não o quisesse ouvir, presente.
O olhar, o riso, o cabelo, bem o sabia, eram para outras paragens, outras partituras. E todas as noites, o ritmo blue que sentia soava na caixa daquela guitarra com uma corda fora do sítio.
Sim. A corda sempre tinha sido esperta. E um sol não é um ré. Mesmo que tente ser.
(Epílogo: Esta noite, a corda fora do sítio partiu. Partiu desta partitura com o mesmo soar triste mas, sim, finalmente livre de ser o sol que devia ter sido. Tenciono substituí-la por um ré. Quanto ao resto, creio que outro alguém terá de rever as suas cordas. A mim parecem-me muito fora do sítio. Afinadas. Mas muito fora do sítio.)
Fibonacci

quinta-feira, junho 29, 2006

Parte II

O dia amanheceu cinzento e sem pressa e espreguiçou-se lentamente na ronca que guiava os pescadores. Ela espreguiçou-se também. Os fantasmas laranja e cor-de-rosa da noite anterior haviam deixado um leve travo de licor, memórias e fantasias na sua boca. A janela aberta não era mais que um quadro. O azul esbatido do mar perdia-se nos olhos dela. Já era corrido o tempo que ela se havia perdido no mar, no luar e na sua junção perfeita e eterna. Agora era o mar que ali encontrava a paz eterna.
(Continuei porque pediste. Mas não te conto o fim da história. A maré ainda vai vaza.)
Fibonacci

quarta-feira, junho 28, 2006

E agradeceu-o.

Com um sopro apagou a vela. Agora sim. Gostava do escuro e das formas contorcidas que a luz mal soldada da vela havia desenhado na sua parede. Olhou para o lado, ainda mal adormecida e, sem querer, sorriu. O Verão tinha coisas destas. Especialmente à noite. Deixava-a melancólica e sorridente, com saudades da lua e do seu reflexo na água. E isso fazia lembrar aquela noite...
O mar estava límpido e as estrelas indicavam-lhe o norte. Observava o seu reflexo na água, iluminada pelo luar mais bonito daquele ano. De repente, sentiu a sua mão no seu ombro. Ele nada disse. Ela olhou o seu reflexo e pensou que nada daquilo fazia sentido. Não podia ser ele a estar ali. Nem ela. Então, pela primeira vez, os seus olhares encontraram-se.
Eles já se conheciam, sim. Já muito tinham falado, rido e chorado. Mas os seus olhos nunca tinham mergulhado nos dele. Ele nunca tinha deixado. Agora, agora que o seu riso de criança já não impedia o seu olhar de sentir, agora ela podia ver.
Sim. Esperava aquilo. Aquele olhar. Finalmente um olhar de quem vê e compreende, não de quem foge do luar.
E, num movimento súbito, acompanhado pelo ruído de uma onda frágil que se esbatia nos seus pés nus, abraçaram-se. E elevaram-se a um estado no qual a matéria não mais se podia detriorar. Uma amizade. Selada naquele mar.
Agora, ali lembrada, pensou no beijo que tanto esperara mas que nunca havia chegado. E agradeceu a sua ausência. Agradeceu o abraço e a amizade. Agradeceu-o num sorriso dormido sem limites que apenas as gaivotas interromperam. E elas apenas anunciavam a madrugada.
Fibonacci

sexta-feira, junho 23, 2006

É nosso S. João. Isso ninguém nos tira.

Dança comigo
Apaga a fogueira.
Não há perigo de te queimares
Vamos subir pelos ares
Como um balão de São João.
E se o santo não nos acudir
Por enquanto podemos fugir.
Mal o sol romper
Rompemos também,
Não vamos além do que deve ser.
Amor a fingir só para aquecer
Ou para esquecer.

São João, bom pastor,
Quem amar em vão
Amará melhor, São João?
Dá-me um banho de amor
Uma paixão nova
De caixão à cova.

Dança comigo
Eu pés e tu passos.
Último abrigo serão nossos braços.
Vamos arder pelas ruas
E derreter nas setes luas.
E se o pastor não nos vigiar
Pecaremos por excesso e defeito.
Por cio e fastio
Sem culpa nem jeito
E apostaremos neste duro par.
Amor a valer só para aquecer
Ou envelhecer.

São João, bom pastor,
Quem amar em vão
Amará melhor, São João?
Dá-me um banho de amor
Uma paixão nova
De caixão à cova.
Junta Corações
«Estás apaixonada?» - perguntou-lhe com aqueles olhos de quem tudo sabe sem saber que já o haviam traído em muitas situações.
«Pela Vida, pelo amor em vão, pelo amor a valer, pelos amigos, pela alegria, pelas gargalhadas, pelos olhares, pela música? Sim. Estou.» - disse a sorrir. E voou. Rumo ao sonho daquela noite de São João.
Fibonacci

Hmmm... Momentos deliciosos

Momentos deliciosos.
Hmmm...
Sem dúvida.
Sim, têm razão. Não me posso esconder atrás das palavras, ou ainda me perco. Não posso fingir um labirinto de emoções, ou ainda deixo de sentir o sal. Mas hoje, sim, hoje nada disso pode acontecer.
Hoje, sim, hoje o mundo é bonito e redondo como uma laranja acabada de descascar que provoca o riso e a surpresa de quem é salpicado por um jacto de sumo.
Hoje, sim, hoje fartei-me de tirar fotografias, fartei-mede parar para dar tempo. Dar tempo ao cérebro para guardar as imagens, sons e sensações. E dar tempo ao coração para guardar os nossos sorrisos, gargalhadas, gritos, arrepios e canções.
Hoje, sim, hoje não me preocupo se existe mais alguém.
Hoje, sim, só hoje.
Se calhar, aquela mesa nunca mais vai ver um jogo como aquele (uma canção e uma gargalhada, no fundo). Ou então, se calhar, este foi apenas o primeiro de uma grande série (sim! eu não tenho medo de sequelas).
Se calhar, aquele baloiço nunca mais vai ser tão martirizado, nunca mais vai ser um avião tão importante para quem só queria voar. Ou então, se calhar, como ainda não caiu, ainda vai ver alguém cair e rir do joelho esfolado que queria ser parapente.
Se calhar, aquela mesa nunca mais vai suportar um lanche assim. Tantos cotovelos lá apoiados, tantas cabeças apoiadas nos cotovelos lá apoiados, tantas gargalhadas e gritos cantados apoiados nas cabeças apoiadas nos cotovelos lá apoiados. Ou então, se calhar...
Hoje, sim, hoje eu vivi.
E o galo nunca me vai deixar esquecer isso.
Fibonacci

domingo, junho 18, 2006

Mais vícios

Como qualquer vício, não sei como começou. Nem sei porquê. Só sei que as palavras têm de sair.
E depois... Depois vem aquele sorriso embaraçado de quem nem sabe o que escreveu, aquele orgulho envergonhado, as leituras seguidas e repetidas na voraz ansiedade de me distanciar do que é meu e só meu (como se o achasse possível). A voraz ansiedade de o tornar propriedade de outro, do Outro que o tornará, verdadeiramente, real. E divirto-me a pensar que posso escolher o Outro. E és tu. Que tu vais ler o que escrevi, naquela pose de conhecedor dessa arte, no desnível de ombros de atenção, na testa enrugada e olhos embevecidos. Porque sabes, não finjas que não, que escrevo para ti.
Disseram-me uma vez que, quando sabemos do que escrevemos, sabemos escrever. E, por muito que eu tente contrariar o meu instinto, tu és sempre o meu texto. Talvez te conheça ainda melhor do que pensava...
As palavras são realidades maravilhosas. Fazem-te real. O meu vício de palavras não é um vício de ti. O meu vício de palavras é um vício de te tornar real quando não o és.
É... Provem somente da minha vontade subconsciente de me tornar um bocadinho deusa e te poder trazer para aqui quando estás longe. A ti e a todas as realidades que, todos os dias, me tornam mais eu.
Volto à minha posição. Simples objecto das palavras. E da pontuação. E da gramática e da morfologia.
Sabes.... Não há patrões melhores.
Fibonacci

quinta-feira, junho 15, 2006

Estou feliz agora

Beija-flor que trouxe meu amor
Voou e foi embora
Olha só como é lindo meu amor
Estou feliz agora

Agradeço por estar aqui
Manifestar a emoção
E colocar minhas ideias, sentimentos em forma de canção
Agradeço por poder cantar
E ver você ouvir
E tentar entender essa mensagem
Que eu quero transmitir

Beija-flor que trouxe meu amor
Voou e foi embora
Olha só como é lindo meu amor
Estou feliz agora
Natiruts

O mundo é um lugar estranhamente feliz. É engraçado como uma canção me faz observar os outros e a mim própria de maneiras tão diferentes. É engraçado como, ouvindo certas canções, tu de repente existes. E eu rio outra vez. Aquele riso de quem pressente que a inspiração está a voltar...
Tu sorris,
E eu vou atrás, sorrio.
Tu corres,
E eu vou atrás, corro.
Tu ris,
E eu vou atrás, rio.
Tu páras e olhas-me.
E eu vou atrás, páro e olho-te.
Mas então, eu vou sorrir
Depois correr e rir
Vou parar e olhar-te.
Aí, vais ver.
Eu vou dar um passo em frente, para o precipício.
E tu vens atrás
(dás o passo do meu pé esquerdo esquecido)
Então vamos os dois
Apenas desafiar a gravidade.
Rir na cara dela.
Porque ela não existe para nós.
Fibonacci

segunda-feira, junho 05, 2006

Revoltas e Revoltas

Aquele ar. Aquela pose de quem espera a máquina que não funciona sem querer que ninguém repare. Aquele riso vindo do nada. Aquele olhar tão direccionado para esse mesmo nada que deixa qualquer pessoa a sonhar com o tudo focado em si. Tudo nele é estranho, sabes?
Os phones perdidos nos mais longíquos pensamentos. A mão que ensaia no joelho a bateria da música cansada. Os olhos semi-abertos esperam a deixa ideal para começar a cantar. Um cantar suave, para dentro. Ele não quer que ninguém ouça. Mas eu não posso deixar de ouvir. Só não consigo ouvir se canta bem. É apenas um eco rouco, o que ouço. Não é a voz dele. Essa ainda não conheço. Nem sei se quero conhecer.
Acho que prefiro que o mistério se mantenha. Que a diversão continue naquela busca desenfreada e oportunista de um olhar perdido que eu possa agarrar e levar para casa. Uma busca por uma revolta no meu estômago. O que me descansa é o facto da revolta não se alastrar à cabeça.

Isso, sabes bem, é coisa que só tu consegues.
Fibonacci

sexta-feira, junho 02, 2006

Amigos, sim. Mesmo que não queiram, amigos. =)

É estranho como tudo neste universo se repete. Um sorriso antigo que reaparece, uma cara antiga que conhecemos de algum lado mas não sabemos de onde, o teu olhar… (mas esse foi sempre o teu olhar).

É estranho. Dou por mim, no 10º ano, com aqueles 15 anos todos (a agenda atarefadíssima de um milionário), a enfrentar os mesmos problemas, as mesmas atitudes, as mesmas interrogações, que enfrentava no infantário. E não percebo porquê. Por que é que não pode correr tudo bem? Por que é que os nossos amigos (apesar de tudo, tive de apagar quando escrevi “aqueles que considerava amigos”; eles são, definitivamente, amigos) se escondem ou fogem ou gritam e choram e riem apenas quando não estamos presentes? Não percebo e isso anda a corroer-me por dentro, tal térmita, tal bife num copo de Coca-Cola. Podiam falar. Resolver. Dizer: «Não gosto de ti. Já não sou teu amigo. Já não te convido para a minha festa de anos.» Era mais fácil. Era assim que era no infantário.

Mas na semana a seguir, era ver-nos a brincar todos juntos no escorrega.

As palavras só nos afastam enquanto não as dizemos. Aí sim, são importantes e ferozes e cruéis. Depois de ditas, são só isso. Palavras. Não magoam sequer. Porque existe uma Palavra maior que as outros palavras. E, apesar de tudo, essa palavra não se diz, essa palavra sorri-se.
Fibonacci

terça-feira, maio 30, 2006

Vícios

Vício de ouvir.
Vício de rir.
Vício de mexer.
Vício de gritar.
Vício de cantar.
Vício de escrever
Vício de dançar.
Vício de gostar.
Um vício que mate.
(e o plágio que passe)
Um vício de ti.

Fibonacci

Um parêntesis neste blog

«- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. - Por exemplo, se vieres às quatro horas, às três, já eu começo a estar feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sinto. Às quatro em ponto hei-de estar toda agitada e toda inquieta: fico a conhecer o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca vou saber a que horas hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito...
(...)
E o principezinho cativou a raposa.»
O Principezinho, Antoine de Saint-Exupéry

domingo, maio 28, 2006

E tudo faz sentido (i)

De repente, tudo fez sentido. Aquela excepção e aquele sorriso. Aquele riso excepcional e aquele olhar fora do sítio. Aquele (tristemente tão comum) impedimento matemático.

Impedimentos são palavras que as pessoas grandes (especialmente aqueles velhos antigos de barbas cinza que, presunçosamente, se espreguiçavam nas suas togas entre a filosofia e a matemática) inventaram para não ter de explicar a Outra Dimensão aos outros.

(Um novo eixo!)

E eu detesto impedimentos. Especialmente impedimentos matemáticos. Como bons impedimentos que são impedem-me de prosseguir o raciocínio que já deslizava tão bem. Impressionante. Impressionante como, falando de Física, me tentam calar com um «Lamento. Chegaste a um impedimento matemático.»
Como é que, esbarrando todos os dias contra ele, nunca mo mostraram como a Solução, mas como o Impedimento? Não só na Matemática... mas também no Real?

(Um mundo sem excepções! - Não creio. Eles não sabem. Mas eu sei. Eu conheço-te. Como ninguém.)

Uma outra dimensão.
Uau.

Quem diria que apenas faltava um número...

Fibonacci

sexta-feira, maio 26, 2006

Obrigada

É engraçado como a vida dá as suas voltas e, no fundo, tudo volta a ser o mesmo.
E eu não tenho queda para dedicatórias. Mas preciso de deixar sair estas. As palavras no meu corpo são toxinas. Dentro, matam. Fora, vivem. E eu tinha de as deixar viver.
As dedicatórias costumam ter uma razão de ser. Mas esta não. Não sei porquê, nem porque não mas, tal como é bom desabafar quando estamos mal com alguém, também era bom que o mundo soubesse quando encontramos aquelas poucas pessoas com quem nos cruzamos e sabemos logo, logo que são importantes. Encontramos sempre essas pessoas, até lhes chamamos uma coisa engraçada: amigos. A probabilidade de isto acontecer é muito baixa. Mas acontece. A isto, eu chamo milagre.

À Clarinha e à Anusca. Aquelas duas pessoas sem as quais eu não podia rir, nem chorar, nem gritar de raiva, porque foram vocês que me ensinaram a não esconder o que sinto como se fosse o pior dos segredos. Todos os dias me rasgam um bocadinho de hipocrisia e me ensinam o que é viver. Obrigada.
À Mafas. À mana gémea mais querida que existe. Àquele nico de gente que esteve sempre lá e, quando ainda não estava, já tinha lugar marcado. Aqui. Por me teres arrancado do sono, por me dizeres sempre que faço falta, mesmo quando só vou atrapalhar, por existires, rires, pelas conversas e listas. Obrigada.
À Inês. Àquela pessoa com quem eu consigo, preciso de falar. Àquela pessoa que me mostrou uma nova face de mim, sendo ao mesmo tempo, tão diferente e parecida comigo. Por me ouvires. Por sorrires. Obrigada
À Loira. Por seres loira. Por seres o meu maior apoio. Por não precisares que eu escreva nada aqui. Ou mesmo que diga. Porque adivinhas. Porque és a pessoa que me conhece melhor. E isso é tão bom. Obrigada.
Ao Jorge. Por seres quem és. Pela influência que tens em mim. Pelas estupidezes que me fazes dizer. Pelo teu sorriso. Obrigada.
Ao Brito. Por me mostrares que há mais que palavras e que, no fim, a o sorriso é que conta. Obrigada.
À Ana, ao Ribeiro, ao Amorim, ao Pedro, ao Guerra, ao Filipe, ao Toni, à Gi, à Joana, ao Luís, e a todos cujo nome é tão presente que nem vale a pena continuar. Obrigada.

É… Comigo aconteceram muitos milagres.

Obrigada.
Fibonacci

terça-feira, maio 23, 2006

Don't you see baby, asi es perfecto.

Don't you see baby, asi es perfecto.
Mas às vezes é difícil.
Não é por ti. – Não. Em ti leio como num céu de Verão, limpo de toda a luz, som ou angústia. Tu és demasiado simples para eu perceber. – Às vezes é difícil, mas, no fundo, sou eu.
É... Ás vezes é difícil.

Mas eu gosto. Eu gosto de gostar. E de adormecer naquele embalo das recordações inventadas. E de falar da incerteza da tua presença absoluta. E de gritar o vazio que sinto.
Vazio adorável, que aperta até ao estômago, e acelera os batimentos cardíacos de tal forma que a terceira artéria canta.
Escondida no bom-dia apressado, testemunho o assassínio – assassínio a sério! de faca no peito – da fatalidade trágica do poeta. Mas também há aquele calor bom por dentro. De sentir outra vez o sorriso de alguém como uma lufada de ar fresco.
Às vezes é tão bom.

Mas era mais fácil se eu soubesse que isto tudo é verdade.
Mas não sei.

Assim não chega a ser perfeito.
Perfeito é quando somos a música.
Fibonacci

domingo, maio 14, 2006

Do latim, «ego»

Lá vem ela
Mais a sua sombra.
(Sim! Porque hoje, para ela,
Está sol...)
E foi assim que eu a vi:
Figura normal
(nunca chamaria a atenção)
Cabelo selvagem, perfume de Verão.
Sorriso nos olhos
– olhos de um castanho já tão repetido.
Para ela não há dias cinzentos.
Só negros e azuis.
Não há amor, não há esquecimento,
Só o eu e o tu.
Vai vivendo e diz que gosta
(inclino-me a acreditar)
Muito se irrita, muito se ri
E gosta muito de gostar.
Para os amigos, para a família,
Não bastou o mundo.
Mas sorriu ao lembrar que ele dançara.

E eu conheço aquela cara.
Só não me lembro de onde...

Fibonacci

sexta-feira, maio 05, 2006

Para que é que me meti nisto?!

Um blog dá trabalho... Normalmente escreve-se o primeiro post com todo o sentimento. (estávamos mesmo a precisar de desabafar!). Mas depois... Depois segue-se um e outro. Cada vez menos pessoais.
Não me acredito que mais do que duas ou três pessoas leiam isto (contando com os meus pais, todos babados, claro. ah! e aquele maluquinho que lê todos os blogs que encontra!) Mesmo assim custa. Custa cuspir o que nem a um amigo cuspimos. Custa cantar o que nem na banheira cantamos. Custa. Mas é um vício. Eu escrevo e escrevo. Muito... Acreditem! Mas depois não publico. Para quê? Alguém vai gostar? Talvez... Mas alguém vai sentir? Como eu?
Não... Prefiro continuar a guardar os pedacinhos do meu puzzle noutro sítio. Eu ainda não o consegui montar. Continuo a espera que chegue alguém que o monte, emuldure e pendure na parede da sala. Ou então alguém que apenas sorria e diga: "Até parece que foi escrito por mim." Ou então basta que sorria. E me corrija a pontuação.
Fibonacci

domingo, abril 09, 2006

O Auto da Compadecida

Não sou, não quero e não posso ser crítica de cinema.
Mas há telas que marcam.

«O Auto da Compadecida» foi lançado no Brasil em 2000 e conta com actores consagrados como Fernanda Montenegro, Matheus Natchergaele e Lima Duarte no seu elenco.
Conta a história de João Grilo e Chicó, que vão tentando enganar a pobreza com mil e um estratagemas que tanto têm de confusos, como hilariantes, como inteligentes. Vão-se juntando outras personagens à exótica mistura que se vai criando naquela vila do nordeste brasileiro, como o Padre João, o Bispo, o Padeiro, a Mulher do Padeiro e Rosinha, filha do coronel.
Desde o primeiro segundo, o filme revela-se um tecido invulgarmente vertiginoso e inteligente de confusões.

Na contracapa, li-o como uma crítica à organização da sociedade e da Igreja. Mas embebi-o como a maior homenagem ao arrependimento e perdão humano e divino. Caiu-me como uma revelação da miséria e do amor entre os Homens e para os Homens. Chocou-me, pois veio de encontro a tudo aquilo em que sempre acreditei, mesmo sem o saber.
Agora vejo que o crítico que escreveu a contracapa justifica o título que lhe dão. Mas o Auto ultrapassa o que dele foi dito. É, ao mesmo tempo, uma crítica e uma homenagem à visão que o Homem tem de si mesmo, do outro, da morte e, sem querer falar de fé, de algo que nos supera. De uma força estranha mas presente. Do Amor (em todos os seus sentidos, em todas as suas formas). E consegue, apesar de toda a grande carga que transporta, ser uma filme brilhantemente inteligente e hilariante.

Aconselho «O Auto da Compadecida» a todos a quem possa interessar a minha opinião.
Um filme que viveria apenas do seu argumento, mas é levado à imortalidade por todos os pequenos pormenores que o tornam único e por aqueles que nele representaram e viveram.
Se não ficar para a imortalidade na história do cinema, ficará na memória de todos os que o viram.
Na minha fica.
Como a tela que virou o mundo do avesso, mostrando apenas aquilo que ele é.
Fibonacci

quarta-feira, abril 05, 2006

Tributo ao 92

Só há três razões para alguém andar de autocarro:
a) ainda/já não ter idade para conduzir;
b) não ter independência económica para possuir veículo próprio;
c) ser o motorista.

Concluindo, ninguém anda de autocarro porque gosta (Ok ok... Mas táxi é diferente. E o Noddy é menor de idade!).
Mas eu... Eu gosto do autobus! Dizendo melhor, existe uma certa dualidade de sentimentos entre a minha pessoa e tal meio de transporte. Não há nada como andar de autocarro por puro gozo! Pura diversão! Tudo parece ganhar um sentido diferente! Cedo alegremente o lugar àquela senhora idosa que entra, à madame grávida, ao puto de muletas. Não permaneço no mesmo lugar mais de 5 minutos. É uma festa!

O meu autocarro preferido é o 92. No seu percurso, passa por uma feira e por uma prisão. É, simplesmente, o melhor percurso do mundo. É um constante desfilar de comerciantes cheios de sacos, pregões, risos, insultos e provisões; de esposas que visitam os maridos a cumprir pena e levam uma saca cheia de comida para eles e uma cheia de histórias para mim.
São todos muito simpáticos. Metem sempre conversa comigo e contam-me a vida toda. Eu não percebo como é que há quem não goste de andar de autocarro! =)

Fibonacci

segunda-feira, abril 03, 2006

Tal como um e um são dois. E um e dois, três.

Como a natureza quer que a contemple
Sem se aperceber que sou parte dela
Tu rodeias-me.
E os crepúsculos que passam
Massacram
Riem-se para mim.
Que a brisa sopra e não te ofende.
Que eu deixo cair o que sempre tentei esconder.
Que o mundo desaba e tu ris.
Quem te ensinou a voar?

Fibonacci

domingo, abril 02, 2006

Isso bastava

E assim do nada
(Do tudo que outrora quis ser nada
Do nada que sempre foi tudo!)
Do mundo
Do verde do mundo.
Que as folhas caíam
E tu vias.
Que o vento languidamente me fazia
Esquecer-me
Esquecer-te.
Que eu pensava em nós.
E assim daqele nada
Eu brotava
Serpenteando
Ora longe, ora perto
De ti.
Que apenas o fazê-lo sentir
Que o oposto,
O acre e doce oposto,
Teria sempre o eterno som.

Isso bastava.

Fibonacci
Olá a todos!

É verdade... Leonardo Fibonacci volta em todo o seu esplendor. Para quem nao me conhece aqi vai uma peqenissima biografia do que fiz em vida.

Matemático italiano, nascido em 1170 e falecido em 1250, natural de Pisa, Leonardo Fibonacci foi educado no Norte de África, onde o seu pai detinha um posto diplomático. Regressado a Pisa por volta de 1200, após ter viajado extensamente, publicou Liber Abbaci, introduzindo o sistema de numeração indo-árabe. Para além deste, escreveu, ainda, Pratica Geometriae, Flos e Liber Quadratorum, de que ainda existem cópias manuscritas. Estas obras colocam Fibonacci como o maior vulto entre Diofanto e Fermat relativamente à teoria dos números, sendo construídas em torno de problemas práticos, muitos deles clássicos, mas também dirigidos à actividade mercantil característica de Pisa. A famosa sequência de números que leva o seu nome é introduzida em Liber Abacci. No entanto, para além do sistema de numeração, a influência de Fibonacci no desenvolvimento da Matemática foi mais limitada do que seria de esperar da sua obra e dos resultados atingidos.


Como vêem, fui muitíssimo importante e, vendo o estado deste mundo, decidi voltar para deixar a minha opiniao para quem a quiser ler. Prometo ser (im)parcial acima de tudo.

A todos os leitores...
Fiquem Bem

Fibonacci