segunda-feira, dezembro 11, 2006

Sempre, corria sempre


Filípides continuava a correr. Sempre. Corria sem força nas pernas, corria com a cabeça balançando ao ritmo do corpo, caída como morta ao lado do pescoço. Corria sem réstia de ar nos pulmões, corria sem pingo de água no seu corpo, dado que esta escorria pela sua pele, encharcando a sua túnica. As sandálias mal lhe protegiam os pés do caminho pedregoso, mas, oh isso!, isso ele já nem sentia. Filípides corria apenas com uma réstia de esperança.
De Atenas até Esparta, de Esparta até Maratona. Ainda não sabia bem porquê. Esperava no seu mais profundo pensamento que a mensagem que trazia animasse as tropas por apenas mais um bocado. Que aguentassem, os espartanos vinham a caminho!
Filípides via tudo como um filme, como se já tivesse passado há muitos, muitos anos. Como se isso fosse possível! E corria. Sempre, corria sempre.


Chegado à planície, viu Maratona coberta de corpos estendidos no chão. Quanto mais se aproximava, mais os semblantes dos estrangeiros contorcidos na poeira do chão e os seus trajes, tão estranhos!, lhe indicavam o caminho para o campo da Morte. Aí, caiu aos pés do General. Sem fôlego, quase sem vida, Filípides sussurrou o fardo que transportara ao longo daqueles quilómetros. Milcíades sorriu, escarnecendo. Pois que viessem. Bem que tinham caído seis mil persas e apenas uma centena dos seus Homens. Agora, ai agora! Agora vinham os espartanos.

Olhou então o rapaz que, deitado no chão de pedra, dava-se por caído. 220 quilómetros os separavam Esparta. Aquilo era um esforço sobre-humano. E foi então que o enviou novamente. Apenas mais 40 quilómetros. Era preciso alguém para anunciar a vitória em Atenas e nem um cavalo o poderia fazer tão rapidamente como um corredor treinado.


Filípides correu, assim, sempre subindo até encontrar o pequeno tempo de Dionísio. Aí, parou. Agora nem o seu metabolismo o ajudava. Não tinha água, mas também não tinha sede. Não tinha já sandálias, mas também achava que já não tinha pés. Corria apenas pela força de vontade. Se ao menos o seu corpo compreendesse! Se ao menos um dia o perdoasse...


Filípides nunca mais se lembrou dos 25 quilómetros, colina abaixo, que o separavam de Atenas. Correu inconsciente, transportando algo maior do que o seu corpo aguentava: um novo futuro para Atenas. Para aquela Atenas que ao longo dos séculos seria lembrada como uma das maiores civilizações do mundo. Aquela Atenas que, a partir daí, começaria a desenhar o futuro de algo maravilhoso para o mundo: a democracia.


Mas Filípides nunca soube disto.

Chegado à Pólis, gritou com todas as forças que lhe restavam: «Atenas venceu, celebrem!».
E expirou.
Olhei rapidamente para trás. Mas não consegui ouvir mais que um ruído rouco.
Fibonacci

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