sábado, junho 30, 2007

Nada

Lúcia lia e gostava. Gostava da carta que ele lhe escreveu. A saboreá-la, pedacinho a pedacinho, leu-a toda, muitas vezes, leu as poucas palavras pequenas. Ele não dizia nada na carta. Nada de novo, nada de velho. Era uma carta oca, daquelas que até deviam fazer barulho, pensava. Mas Lúcia gostava e continuava a ler outra vez a carta, tão insignificante nas suas três páginas.
Lúcia odiava cartas. Cartas lentas, atrasadas, substitutas mal ensaiadas de uma boa conversa. Mas aquela carta, oca e lenta, preenchia-a. E cada vez mais.
Página dois. Continua sem dizer nada. Nem mesmo nas entrelinhas, nada.
Na página três, um início de alguma coisa, mas era fumo sem fogo. Era nada. O mesmo nada que preenchia o vazio daquelas três páginas cheias.
E nem na despedida, nem na assinatura, Lúcia não lia nada de nada. E gostava.
Nunca tinha recebido uma carta assim.
Tão cheia do nada, vazia de olhar, repleta do tudo que um buraco negro suga.
Fibonacci

Sem comentários: