quarta-feira, março 14, 2007

Cem Anos de Solidão

«Então deu outro salto para se antecipar às predições e ver a data e as circunstâncias da sua morte. No entanto, antes de chegar ao verso final, já tinha percebido que não sairia nunca desse quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no momento em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos, e que tudo o que neles estava escrito era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra.»
Cem anos de Solidão, Gabriel García Marquez
E se tal estiver previsto e escrito nos pergaminhos indecifráveis? A última corrente de vida que por fim sopra é a esperança da sentença já suportada por outros. Porque se há coisa que se aprende é que o tempo não passa, o tempo arredonda-se um pouco mais, porque ele já é redondo.
Uma intensa sensação de dejá vu. O dejá vu que foi o crime quase perfeito. O dejá vu mais perfeito que esse crime.
Quis quase morrer e vaguear como sombra como as sombras que por lá vagueavam antes mesmo de quase se apagarem. Revoltei-me e descarrilei do comboio dos três mil do massacre da estação. Olhei para aquela que foi quase a minha casa e chorei pelo Santo António escondido e as moedas de ouro, pela descendente que ascendeu ao céu, pelas formigas vermelhas que a corroíam, pelos intermináveis anos de chuva e a miséria da seca. Morri de medo do rabo de porco e arrependi-me pela loucura tão lúcida que se amarrou a uma árvore.
Fechei o livro e a primeira reacção foi de alívio. Pois que não haja mais estirpes assim!
Abri-o outra vez e arrependi-me de tal repúdio à história maior, à síntese mais-que-perfeita do mundo.
Porque também não houve solidão mais sonhada e mais morrida. E para morrer assim, talvez valha viver melhor.
Fibonacci

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