terça-feira, outubro 24, 2006

Constelações


A grande árvore centenária ainda se mantinha de pé. Ladeada por muitas outras ervas colossais, nascidas nos tempos de outros deuses, mantinha-se firme na sua velhice e solidão, eternamente abraçada à Mãe-Terra.

Os olhos escuros do centauro pousaram nela. Todo o vale, do cimo daquele monte, lhe pareceu muito pequenino na sua vastidão imensa e verde. O vento zumbia nos seus ouvidos já marcados pelas durezas das guerras que havia travado. Morto pelo descanso do pós-batalha, derrotado nas cerimónias de honra e ócio, ambicionava há muito partir de novo. O arco e a flecha a tiracolo suspiravam por novas aventuras, sim. No entanto, o seu coração semi-humano não o deixava partir em paz. Eram aqueles olhos…
Mwadii observava ao longe o robusto guerreiro. Como queria, também ela, fugir daquela calma asfixiante! Como queria morrer na ébria confusão do campo de batalha, renascendo então das cinzas ainda quentes, no colo da morte menina. Queria voar. Queria agarrar o tempo e galopar à frente dele, fazendo-o engolir a poeira e a vingança dos anos que passou algemada à sua tribo e àquele odioso Vale, vendo o belicoso centauro partir. Desta vez ele não iria. Como se podia atrever a querer mantê-la segura na sufocação daquela paz? Aquele enfatuado, aquele arrogante! Como queria estar perto dele... Não! Abanou a cabeça e todo corpo numa rápida convulsão arrepiada para se esvaziar deste último pensamento intolerável.
O vento e os lagartos que a ouviam murmurar este discurso, também meneavam a cabeça, mas desaprovadoramente. Nem queriam acreditar. Aquela não era a Mwadii que haviam visto crescer por entre o calor abafado das ervas e os sussurros gelados da Noite. Não podiam acreditar no ódio quente e rouco que brotava dos seus lábios. Preferiam acreditar na brisa, que um dia por lá passara e lhes sussurrara, como um segredo, que aquele ódio ao centauro nada mais era que amor.

Fibonacci

Imagem e imaginação
cedidas por Arlequim.
Obrigada.

1 comentário:

artur disse...

prefiro ser o lagarto e deixar-me sonhar *


ah, e é sempre um prazer poder provocar tudo isto em ti. vou pintar-te mais uma vez *