sexta-feira, novembro 24, 2006

No fundo de um de nós.

Já ali estava há algumas horas. Sem nada que fazer, pensavam os seres não-pensantes que por ali passavam sem sequer olhar. Claro, nada que fazer! Quem fica assim tanto tempo, na estação, sem entrar no comboio, sem abraçar pessoa alguma que chegasse, sem mesmo olhar para os vultos que saíam, ali, à noite?
S. Bento, à noite, e Lúcia ali parada, sem nada para fazer.
Nem mesmo um cigarro. Lúcia não fumava.
Nem mesmo um livro. Lúcia lia, mas porque raio havia de ler numa estação de comboios?
Nem mesmo um olhar esperançoso, num raio x à multidão, a ver se encontrava alguém. Lúcia não queria encontrar ninguém.
Por isso se especou ali. Onde os passos redobravam as vontades de amar e onde o excesso de pessoas cansava ao ponto de se sonhar sozinha.
Tudo aquilo porque tudo o que esperara chegara. O problema do que chega é que passa e Lúcia queria mais. Mas porque é que nunca ninguém lhe havia dado mais? Lúcia queria a eternidade. E a eternidade, sabia, não existe sozinha.
Era isso que Lúcia olhava ali, especada entre tantos relógios, o tempo. Porque só agarraria o espaço atemporal quando percebesse o tempo. Porque só amaria quando visse a solidão.
Lúcia queria morrer à noite e acordar de dia, afundada de cor. A felicidade instantânea, essa, deixava-a para os mortais. Ela precisava de alguém que lhe oferecesse a cura para o tempo e para a solidão. E esperava esse alguém ali, nos comboios, esperando que quando passasse lhe dissesse olá.
Foi ali que encontrei Lúcia. Quando me contou isto não acreditei nela. Doida! Mas eu conhecia-a tão bem. Não sei donde. Talvez ali, dos comboios.
Gosto de pensar que sou diferente dela.
Estou cansada de tentar fugir disto, disto que se calhar nem existe! - disse Lúcia.
«Amar é bom se houver no fundo de um de nós alguma solidão»
Talvez.
Ou talvez não.
Não sei.
Fibonacci

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