domingo, novembro 19, 2006

Vila Viçosa, 16 de Fevereiro de 1999

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Muita gente liga, António, muita gente. Gente tão diferente, gente do campo e da cidade, doutores e crianças... Muita gente liga e eu assisto surpresa todos os dias aos pedidos previsíveis daquela gente e às ainda mais pressentidas dedicatórias. Amor. Tudo dedicatórias de amor. À mãe, ao pai, à filha e ao genro e mesmo à tartaruga da Joaninha! Mas sempre amor.
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Vivo feliz todos os cinzentos e santos dias com esta gente que para lá liga e insiste em me chamar doutora, apesar da minha licenciatura ser filha única. E mandam bolos para a redacção, para a Sra-Dra-do-Pragrama-da-Noite. Quando o Ferreira, o técnico, se entretém a baralhar esta gente, lá ouço um Dra. Milinha da Maia (vergonha das vergonhas para minha mãe que, como sabes, nunca outra coisa permitiu lá em casa que Emília).
Muitas noites passo assim, das 11h às 2h, o programa da noite da Rádio Viçosa. Discos Pedidos.
Tu sabes, António, o porquê da mudança do gigantesco e assombrador Solar de Vila Viçosa para o pequenino estúdio. Mas és o único. (...) Desde há muitos anos que aquela rádio é a minha casa. Aquela gente que liga é a minha família. Conheço a todos pelo nome, a Vila é pequenina, e toda a gente me faz companhia quando pode. Até mesmo o Sr. Padre, sabendo que num dia não ia ter muitos ouvintes, lá ligou, pedindo "aquela do bailarico que agora anda aí muito na moda" e após inúmeras insistências frustradas de saber pelo menos o nome do artista lá levou com o último hit no countdown de Vila Viçosa.
(...)
E foi sempre assim até àquele dia em que ele me ligou. Eu não o conhecia, António, não mesmo, eu juro. Juro-to a ti já que a mim nunca me vou convencer disso, pois mal ele falou eu soube que havia algo nele que eu sempre soubera. Porque não somos o que somos, somos o que fomos e o que havemos de ser, já dizia o Padre António Vieira.
Mas nessa noite, foi outro o disco. Ele ligou e não pediu música, pediu-me a mim. Disse que precisava da minha ajuda e eu da dele. Disse-me que sempre me tinha conhecido e eu a ele. Disse-me para ir ter com ele. Disse-me isto tudo, em directo, na Rádio Viçosa. Disse-me tudo isto e, como por magia, ninguém ouviu. Naquele dia, ninguém ouviu o programa, nem mesmo o Ferreira, que, por vezes, adormecia.
E eu, sabiamente louca, fui. Fui ter com ele, no fim da emissão, aonde dissera estar. Mas não o encontrei, não estava lá.
Nunca mais o vi, nunca mais me ligou. Continuo à sua procura, continuo a tremer cada vez que toca o telefone na redacção à espera que seja ele. Continuo a acreditar que precisava muito de mim e que eu não fui a tempo de o ajudar.
Ajuda-me tu, agora, António, que eu já não consigo mais.
Peço-te, por favor, que me deixes visitar-te aí no Porto. Tirei férias. Preciso do mar. Preciso de pensar. Preciso de ti.
Responde logo que puderes.
Sempre tua amiga,
Emília.
Fibonacci

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu liguei! E não pedi musica. Eu não queria música, eu queria abraçar-te, eu queria sentir-te nos meus braços, eu queria-te a ti.
Ninguém ouviu o programa nesse dia. Pois não.. O programa não interessava a ninguém, só a mim e ti.
Eu estava lá, onde disse estar, à tua espera, como sempre estive. Mas tive medo. Tive medo de que não quisesses estar lá comigo, e por isso, apesar de estar lá, n apareci. Tive medo de perder o que de mais importante havia (e há) para mim: a tua amizade (que nunca mais seria a mesma se realmente não quisesses estar lá comigo) e o sonho, aquele sonho em que tu realmente querias, e sonhavas também, em estar ali comigo.
Eu continuo a dizer que preciso de ti. E continuo a acreditar que também precisas de mim.
Preciso de ti. Sempre teu, António.