domingo, janeiro 28, 2007

Se

Você disse que não sabe se não
Mas também não tem certeza que sim
Quer saber?
Quando é assim
Deixa vir do coração
Você sabe que eu só penso em você
Você diz que vive pensando em mim
Pode ser
Se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se
Eu levo a sério mas você disfarça
Você me diz à beça e eu nessa de horror
E me remete ao frio que vem lá do sul
Insiste em zero a zero e eu quero um a um
Sei lá o que te dá, não quer meu calor
São Jorge por favor me empresta o dragão
Mais fácil aprender japonês em braile
Do que você decidir se dá ou não.
Djavan
Lúcia não sabia mesmo. E afirmava veemente a sua dúvida, um dogma ao qual outrora se quis agarrar por uma ou duas vidas. Dizia que não sabia se não, senão nunca teria a certeza se sim. Dizia. Medo de se agarrar a uma falsa hipótese, talvez. Berrou-me muitas vezes que a partir do momento em que deitasse o se ao lixo, em que deitasse tudo o que a agarrasse ao futuro contra a parede (já Maria lhe dizia para preferir se arrepender do que não existiu do que do que se estragou)... O prazo acabava, chorava Lúcia. Eu gosto de pensar que não. Acredito mesmo. Eu levo a sério e disfarço, é instinto. Puro instinto. As palavras de Lúcia, enjoativas e quentes, escapavam-se como o vento do leste no Verão, inadequado e invejoso. E Lúcia chorava as águas de Março, dilúvio e monção. Benção, talvez. Ela nunca quis um a um, quiçá um e um. Por vezes sonhou mesmo querer ser quase dois.
Pois que sonhe.
Pois hoje é noite, mas noite menina.
Pois hoje é tarde, mas o sol não se pôs 'inda.
E amanhã vai ser dia, Lúcia.
Amanhã vai ser dia.
Fibonacci

terça-feira, janeiro 23, 2007

Conversas Paralelas

«Moving forward using all my breath
Making love to you was never second best
I saw the world thrashing all around your face
Never really knowing it was always mesh and lace
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you
Dream of better lives the kind which never hate
Dropped in the state of imaginary graceI
made a pilgrimage to save this humans race
Yes I did
What I'm comprehending a race that long gone bye
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you
The future's open wide
I'll stop the world and melt with you
You've seen the difference and it's getting better all the time
There's nothing you and I won't do
I'll stop the world and melt with you, yeah
I'll stop the world and melt with you
I'll stop the world and melt with you, yeah, yeah»
Nouvelle Vague
Faço minhas essas palavras. Completamente e absolutamente reais. Perco a capacidade de voar, talvez. Mas isso já não é assim tão importante. Ouço-os, ultrajam-se. Comovida, peço as mais cínicas desculpas. Que desculpas?
Não falo, não levanto a cabeça, numa ressaca tremenda e emocional. Apostei a minha vida na cadeira dourada e na pista de dança. O futuro sei-o tremendamente bem, debaixo das luzes que piscam. Mas o amanhã torna-se a maior incógnita.
Eu podia parar o mundo. Já viste a diferença, e cada vez se está tornar melhor.
Não te atrapalhes, eu não gosto do sentido conotativo. Denoto tudo e cada coisa que dizes. Ou pensas.
Não te desculpes, estragas a magia toda.
Fibonacci

domingo, janeiro 21, 2007

Não vês?

«Não vou mentir pra mim mesmo acreditando
Que uma música é capaz de expressar tudo isso
Não vou mentir pra mim mesmo acreditando
Mas eu preciso acreditar na comunicação
Mas eu preciso acreditar
Não há melhor antídoto pra solidão
E é por isso que eu não fico satisfeito
Em sentir o que eu sinto

Se o que eu sinto fica só no meu peito
Por mas que eu seja egoísta
Aprendi a dividir as emoções e os seus efeitos
Sei que o mundo é um novelo uma só corrente
Posso vê-lo por seus belos elos transparentes
Mudam cores e valores mas tá tudo junto
Por mais que eu saiba eu ainda pergunto»

Gabriel, O Pensador
'Tás a ver?
São os efeitos da comunicação, é tudo o que digo e não digo. Não, não é um antídoto para a solidão. São achas para a mesma fogueira.
Como pude sempre pensar que me bastava entornar os restos do que sinto para o que finjo que comunico? Comunico a mim própria, na melhor das probabilidades. E mesmo isso é como desterrar paciência para ouvir tudo o que nem a mim quero contar.
Como pude ficar satisfeita com isso? Como pude achar que era melhor escrever-te que dançar-te? Como pude?
Por mais que eu saiba, que não sei; por mais que eu olhe, que não olho; por mais que eu pergunte, que não pergunto; por mais que eu ria, que não rio; por mais que eu viva, eu não vivo nesta redonda dimensão achatada.
Se viver, eu vivo fora. Se voar, eu vôo raso. E alto e plano e sinto o vento como uma benção de quem não é mais que asas.
Para mim mesma eu já não minto.
E é por isso que cada vez fico menos satisfeita a sentir o que sinto se tu não sentes a verdade.
Porque sabê-la... isso tu sabes.
Fibonacci

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Nem chegaste a partir

De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
David Mourão Ferreira
«O fado é uma história. É dor a lacerar, e a profunda esperança de que o mar nos traga mais que levou.
Uma história e uma mulher vestida de preto. São loucas! Encontras, mesmo que não queiras, a tua história. Ou a minha. E só porque quem canta uma história assim, sempre acrescenta o que é. Saudade. Passado, não. Porque em todos se repete sempre a mesma história, como um presente repetido e irrepetível.
É como tudo, aprende, tu nem chegaste a partir. Eu sei, meu amor, nem tu nem eu fomos a lado nenhum. Rodopiamos talvez. Enjoamos, doentes alucinando no mar e no fogo mortiço. E nos batuques mornos na sua contínua sístole e diástole, a marcar o tempo das ondas e das velas.
Mas dentro do teu peito, estou sempre contigo.»
Mariza, live in London
Fibonacci

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Oráculo de Delfos

Demoras inexplicáveis e balbúcios como desculpas. Obrigatórias por natureza, indesculpáveis por educação.
Ruído da porta a vociferar e um pé a bater.
«Uma dor intensa apropria-se do apêndice da Personagem nº1 (que ainda não tem nome, pois é demasiado importante para ter já um nome). Não, nº1 já não tem apêndice, já estragou a outra peça, afinal foi à Ana, originalmente nº16, que já tem nome porque, claro, é a nº 16 e não precisa de um nome demorado como Coríntia.
Coríntia!
Personagem nº1: Coríntia sem apêndice.
A porta bate outra vez. Alguém saiu a chamar alguém que nunca vai chegar a entrar. Nº 1, perdão, Coríntia de pé.
Corinto de novo.
Labda dará à luz a pedra que derrubará os que governam e endireitará Corinto.
Não foi pedra, foi Pedro.
Mas Coríntia está de pé.
Quem caiu, afinal?
Aquele que foi chamado e nunca devia ter entrado, entrou. Personagem nº 17: Labda, a mãe e a arca desaparecida.
Tragédia.
Tragi-comédia.
Riso infernal.
O FIM.»

E aquelas palavras que me prometeste?
As outras duas que deixaste cair não contaram. (Anulavam-se uma à outra, o céu e o mundo.) Não sei que te atrasa. Afinal nenhum dos dois se apercebeu, nenhum viu nada. (O tanto sonhado passou despercebido, inebriado de fumos e calor). Desde já desculpa a interpretação exagerada de quem disseram que era cego. Daqueles cegos que vêem demais.
Cara a cara, muito literalmente, nariz a nariz, mãos e um olhar líquido. Como Coríntia. Despedida do que nunca assistiu por um puro arrependimento azedo. Beijo de Judas.
Ritmo de lábios selados.
A lacre.
Vermelho.
Tiraste de mim as palavras para reinventar a história desacreditada de quem acreditava em profecias que se cumpriam. Dos tempos imemoriais em que os nossos antepassados cumpriam o que desenhavam e falavam a cantar sobre homens maiores que os homens e mais fortes que os deuses.
A peça jaz inacabada e apenas uma pessoa chora, a personagem número 17.
Dá-me essas palavras, eu nem preciso delas. Deixa-me fazer nascer o inascível.
Fibonacci

domingo, janeiro 07, 2007

Perspectiva

«Everybody says I'm a lonesome kind of guy
I've been defeated by them all
If they can find me
I'm done
Everybody knows that it really doesn't matter at all

Everybody says I shouldn't mess with you no more
If you see me on my own
Drive on

If I were dismissed
I would've gotten much more
If I wasn't that kind I wouldn't care at all
Sooner or later
Sooner or later
Sooner or later
I'll change my whole perspective»

Phoenix
Toda a gente sempre me disse para fazer tudo, que tudo era o melhor que poderia alguma vez fazer. Derrotaram-me, reconheço. Tudo agora é muito e muito e tanto tempo lançado ao céu, à noite, às nuvens, no dia em que não se vê bem o infinito. E esse tudo agora é desculpa para tudo.
Não era bem melhor?
Toda a gente sempre sempre me disse para não mexer mais na ferida aberta.
Escandalizo-me.
Eu nunca. Eu tudo. E por dentro rejubilo, primeiro. Se toda a gente diz, tu pensas. Mas depois, páro o contentamento ironizado e as falsas comoções tossidas. Tu não pertences a este mundo, como te podes aperceber? Aposto que alguém roubou esse pronome (que deixou de ser comum a partir do momento em que me apeteceu que fosse só teu).
Ninguém diz que sou sozinha, eu. Eu e mais ninguém. E ninguém diz mas eu sei. E não gosto, claro que não, e sei que se não fosse eu era tudo bem melhor. Gostava mudar a minha perspectiva, mais cedo ou mais tarde, ser o que toda a gente diz que sou. Mas não sou.
Chamam-lhe trauma.
Vou rir.
E eles nunca irão saber que eu concordo com eles.
Já contigo é diferente. Não sabes. És de outro mundo, claro que não sabes. Mas mal voes daí comigo vais perceber.
Vou rir.
E eles nunca irão saber que tu concordas comigo.

Fibonacci

sábado, janeiro 06, 2007

De lareira acesa

A neve cai lá fora como batalhões, como patorras de elefantes, muito pouco poética, essa neve.
Um simples raciocínio faz-me dar graças pela monotonia sedenta do vazio na qual a minha vida se tornou. Assim penso e só assim escrevo, traço notável do carácter amador sem experiência ou sem qualquer valor da minha suposta arte.
Se tudo fosse neve e se a neve fosse água, se o condicional se ultrapassasse e o futuro corresse ao passado, as minhas mãos iam-se cansar.
Ou talvez não. Talvez explodissem para algo muito melhor. Algo que eu não conheço, que é tão maior. E eu ia crescer e deixar de escrever estas coisas ridículas que só teriam valor se fossem cartas de amor, que são ridículas. Sendo como são, ar puro já demasiado quente, não mereciam existir nem na minha cabeça. Só na tua.

E foi assim que surgiu a ideia de matar o meu diário e começar a escrever para ti. Para ti que nem sei quem és mas sei que amo. Todas as cartas de amor são ridículas. Assim não preciso de ter vergonha da necessidade de matar a abstinência do papel e da caneta sem qualquer inspiração.

A cabana está fria, o livro pouco avança e as ideias vão escasseando. As personagens aborrecem-se no papel e a lareira quase que adormece a meio das suas funções. A noite que avança deveria ser meu suporte, mas continuo aqui, sozinha, neste descampado serrano invernoso, sem conseguir o que quero dela: inspiração. As estrelas brilham mas não é para mim. Talvez não devesse ter vindo para aqui a correr atrás do sonho. É melhor fechar tudo e esperar que esse único momento real do meu dia-a-dia, o sono, me revele mais do que eu quero saber.

Só isso é tão bom.

Fibonacci

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Daqui a pouco

31 de Dezembro, ou será já 1?
Desenhos estranhos do céu. Demasiado científicos, cuidados, pensados e pesados, equilibrados. Quem disse que havia equilíbrio no céu? Para depois com as aparências!
Agora. Agora o que não aconteceu aperta-me a garganta. E o que pode ser o decair das forças, no daqui a pouco que não existe porque não, mata-me, corrosivo, é da acidez, é da concentração daqueles iões, que irritantes!, que se intrometem.
Na brisa que corria impávida por entre ondas sonoras e marítimas, fechei os olhos para ver, já que o telemóvel não funcionava. Fechei com muita força para imaginar bem. Julguei sentir o movimento e o ruge-ruge que vocês, que se consideram acima, concedem deitar como neve a quem vos vê de cá de baixo. E julguei que o sentido me faria berrar de dor sem coração. Mas não. O poço que me espera não é assim tão violento. Apenas frustrado. Vejo a comida que não posso comer, esfomeada, mas não me esforço para a agarrar. E a água sedenta não foge porque não a sufoco. Isto não é Inferno. Porque eu não quero. Não me interessa. Quero sorrir com o que tenho, que só é mau porque não posso ter mais. Tão perto.
Gostava caída de saber que o que me mentes é verdade.
Que estou mesmo aí. Mas estou aqui. Por enquanto estou aqui. Já me julguei capaz de ultrapassar esta quinquilharia que é o espaço. E sou. Mas percebi que há um obstáculo maior. Que usa a aleatoriedade como bombas.
Mas eu tenho uma mão vazia de outras coisas maiores: noites e dias, luas e sóis, música e silêncio, olhares.
Vazia porque as lancei para ti.
Ajudas?
Talvez seja melhor voltar para o calor. Vamos, vou festejar o tempo.
Fibonacci

sábado, dezembro 23, 2006

O dia em que nevou no mar

Dizer pouco é bom, pensava enquanto esmigalhava areia pelas luvas. Dizer pouco sabe bem mas há uma sede de aqui voltar, mesmo quando nunca cá estive.
O céu era bonito. O céu era estrelas, bem separadas, pontos brilhantes, definidos e calados.
O céu era mar. Não vinha ver o mar fazia muito tempo, falar com ele, bebê-lo pelos olhos, pela boca e pelos ouvidos. O mar era sempre esquecido nesses dias. O mar e o céu com as estrelas separadas.
Queriam neve, queriam frio, queriam música!
E o mar nessa noite era música, celestial e açucarada.
O mar era frio, frio bom, frio das luvas, que faz rir.
O mar era também neve, neve no seu estado mais escondido, mais humilde. Era neve também que abandonava as levezas fúteis do branco. Era neve azul, mas neve.
Nunca conheci outra neve, disse, talvez demasiado alto para o co-habitante da praia. Dizer muito sabe melhor na neve. (O caranguejo não concordou e correu a rir-se de mim.) E na lareira. E no fogo que mata neve. E no fogo que vem da neve. Da neve branca. A neve azul não puxa fogo. É inócua. É por isso que ninguém a ouve por estes dias. Ninguém sabe o que inócua quer dizer.
Dizem pouco, pensei calada outra vez. Mas dizer pouco é bom.
Fibonacci

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Onde?

Querida Maria,
Já lá vai um tempo desde a última vez que nos vimos. Espero que esta te encontre de boa saúde. Como vão as coisas por aí?
(...)
Não, não te deves estar a interrogar porque motivo escrevi. É Natal, certo? Toda a gente escreve pelo Natal.
Mas o meu problema é mesmo esse. Não encontro o Natal em lado nenhum, Maria, não encontro.
Nem nas janelas. Nem nas portadas. Nem nas lareiras. Nem nas fogueiras. Nem nos barulhos. Nem nos embrulhos. Nem nas figuras. Nem nos anjos. Nem nas músicas. Nem nos ruídos. Nem nas luzes. Nem nos sentidos. Nem na comida. Nem no frio. Nem na multidão. Nem no vazio.
Muito menos em mim...
(...)
Eu queria o frio que nos lembra o calor, sabes? É tão bom... Eu queria a minha mão a trabalhar. Eu queria comida para dar.
Eu queria luz das velas, não dos candeeiros. Eu queria anjos feitos de sonhos, não de carne e osso. Eu queria sentir cada momento, Maria, cada pessoa, cada melodia. Eu bem queria!
Mas o Mundo já se encarregou de me mostrar que o Natal não é sempre que o Homem quer. E mesmo às vezes nem 25 de Dezembro é. Temos sorte, quando há Natal. Ele tem de ser bem cultivado, desde cedo, com muitas cuidados. Como o Principezinho fazia com a sua rosa, lembras-te? Mas eu, eu esqueci-me da redoma e agora não encontro o meu Natal. Tenho pena, é mais um ano a esperar. E a rezar muito, não vá o Mundo fazer das suas.
(...)
Oh, eu sei! Tenho a minha parte de culpa.
(...)
No entanto, talvez saiba onde o posso encontrar. É a minha última hípótese.
Acabo aqui por hoje. Tenho de procurar.
Um beijo enorme desta que te adora.
Sempre tua,
Lúcia.

Quiçá (Ferida Aberta Noutro Peito)

Talvez o que sempre é tudo, voe.
E o que sempre é riso, chore.
Foi sol, é água, é terra.
Foi fogo, é neve, é feliz.
Talvez a raiva arda
Talvez a saudade enjoe
Talvez a fuga incandescente não sirva
Ou talvez não.
Talvez um beijo inconsciente nos cure, ao de longe.
Talvez alguém nos dê a mão.
Ou talvez outrem nos roube o que é sagrado.
Foi sagrado, é templo, é tempo.
Porque a cabeça abana condolente
sempre, foi assim
(o vento é pária, é nossa sina!)
Mas não quando a brisa roça perto.
Aí, cola-se a nós O Fim.
Talvez.
Ou talvez não.
Não sei.
Quero acreditar em algo maior.
Quero acreditar na transformação.
E o que era Vida, ultrapassa-a.
E o que era caminho, torna-se perfeição.
E o que era Amor, engrandece-o.
O que era Esperança, é Salvação.
Talvez.
Ou talvez não.
Fibonacci

terça-feira, dezembro 19, 2006

Uma última batalha

O corpo linchou a alma.
O mar engoliu o barco, cego e feio.
A terra caiu sobre o Homem.
O cavalo pisou o guerreiro.
As ondas que batiam cansaram-se
Da areia sovada que se calou.
A lança caiu estridente marcando
O chão, a raiz que urrou.

Num grito sem gravidade, celestial,
As cabeças unânimes levantaram
A voz ao céu (e os entes que lá dormem, brilharam!)
Na luz partida do orvalho,
Numa via sacra final.

A alma sobrevoou o corpo
Despedindo-se num beijo demorado.
E o tempo, esse tempo, riu-se, afinal
São só os nossos pedaços o pecado.

Porque viver por ti é mais que viver
E morrer por ti é nascer
outra vez
Eu vi
A terra absolver
O Homem.
O Homem que já nem Homem é.
É mistério.
É melhor.
É fé.
Fibonacci

domingo, dezembro 17, 2006

A tree called life

Porque às vezes tudo o que possa dizer soa a plástico, é tão vão de sentido.
Porque às vezes "perco um continente", perco uma ilha e "uma chave" e a maravilha cai estridente no chão. E do pó se levanta a voz que todos conhecem e ninguém reconheceu.
Porque às vezes me apercebo, e deviam ser mais os dias, que não me expresso tão bem como isso.



I carry your heart with me
by E. E. Cummings


I carry your heart with me (I carry it in
my heart) I am never without it (anywhere
I go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
I fear
no fate (for you are my fate,my sweet) I want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you
Here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart
I
carry your heart (I carry it in my heart)

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Sempre, corria sempre


Filípides continuava a correr. Sempre. Corria sem força nas pernas, corria com a cabeça balançando ao ritmo do corpo, caída como morta ao lado do pescoço. Corria sem réstia de ar nos pulmões, corria sem pingo de água no seu corpo, dado que esta escorria pela sua pele, encharcando a sua túnica. As sandálias mal lhe protegiam os pés do caminho pedregoso, mas, oh isso!, isso ele já nem sentia. Filípides corria apenas com uma réstia de esperança.
De Atenas até Esparta, de Esparta até Maratona. Ainda não sabia bem porquê. Esperava no seu mais profundo pensamento que a mensagem que trazia animasse as tropas por apenas mais um bocado. Que aguentassem, os espartanos vinham a caminho!
Filípides via tudo como um filme, como se já tivesse passado há muitos, muitos anos. Como se isso fosse possível! E corria. Sempre, corria sempre.


Chegado à planície, viu Maratona coberta de corpos estendidos no chão. Quanto mais se aproximava, mais os semblantes dos estrangeiros contorcidos na poeira do chão e os seus trajes, tão estranhos!, lhe indicavam o caminho para o campo da Morte. Aí, caiu aos pés do General. Sem fôlego, quase sem vida, Filípides sussurrou o fardo que transportara ao longo daqueles quilómetros. Milcíades sorriu, escarnecendo. Pois que viessem. Bem que tinham caído seis mil persas e apenas uma centena dos seus Homens. Agora, ai agora! Agora vinham os espartanos.

Olhou então o rapaz que, deitado no chão de pedra, dava-se por caído. 220 quilómetros os separavam Esparta. Aquilo era um esforço sobre-humano. E foi então que o enviou novamente. Apenas mais 40 quilómetros. Era preciso alguém para anunciar a vitória em Atenas e nem um cavalo o poderia fazer tão rapidamente como um corredor treinado.


Filípides correu, assim, sempre subindo até encontrar o pequeno tempo de Dionísio. Aí, parou. Agora nem o seu metabolismo o ajudava. Não tinha água, mas também não tinha sede. Não tinha já sandálias, mas também achava que já não tinha pés. Corria apenas pela força de vontade. Se ao menos o seu corpo compreendesse! Se ao menos um dia o perdoasse...


Filípides nunca mais se lembrou dos 25 quilómetros, colina abaixo, que o separavam de Atenas. Correu inconsciente, transportando algo maior do que o seu corpo aguentava: um novo futuro para Atenas. Para aquela Atenas que ao longo dos séculos seria lembrada como uma das maiores civilizações do mundo. Aquela Atenas que, a partir daí, começaria a desenhar o futuro de algo maravilhoso para o mundo: a democracia.


Mas Filípides nunca soube disto.

Chegado à Pólis, gritou com todas as forças que lhe restavam: «Atenas venceu, celebrem!».
E expirou.
Olhei rapidamente para trás. Mas não consegui ouvir mais que um ruído rouco.
Fibonacci

sábado, dezembro 09, 2006

Rainha de Copas

Mais uma viagem? Deves estar a brincar... Até parece que não te conheço! A ti e aos teus joguinhos, que nos levam tão lá abaixo. Afundamo-nos no menos-infinito. Olhamos para cima, de bruços, num caixão, o eixo das ordenadas a apontar o infinito e o céu que não nos quer, aqueles pontos de descontinuidade que nos matam devagarinho.
Não vais ter sorte nenhuma, dizem, ai não.
Tal como eu.
E se descermos mais uns andares? Somos intrusos, eu sei, invasão e abordagem. Antes espiões. Cépticos. Muito cépticos. Podíamos lá descer pelo menos mais uma vez. Hécticos. Uma dorzinha de alma e comichão no cotovelo. É do frio, eu sei.
Dizem-me que não há nada como quem nós queremos ou como quem nós perdemos.
(Ou como quem nos perdeu... - Ah ah! Que não jogasse!)
Agora que as folhas se queixam do carvão, eu vou ouvindo os seus latidos enquanto me perco, espinal medula abaixo. Nervos. Bem lá abaixo está uma cave de números menores que zero. Cada vez mais menores. Tanto que me obrigam a esquecer por um bocado a gramática que não foi criada para os expressar (são cada vez mais pequeninos e irreais!).
E eu tão grande!
Sinto-me uma Alice num País sem Rainha de Copas. A cair, eixo abaixo. Se ao menos voasse. Ou uma tangente. Ou uma chave.
«É por isso que andas atrás dela e ela atrás dele. Mas dizê-lo não vai mudar nada. Não, não.»
Mas isso não me importa. Sigo o coelho enquanto espero que um sonho me caia no colo. Bem que é certo: é mais fácil sonhar de olhos bem abertos, a olhar o infinito de estrelas que não vemos.
Mas eu sei que lá estão.
Consigo ouvi-las.
Baixinho.
Perfeitamente.
Fibonacci

Excertos de "No Buses", Arctic Monkeys

terça-feira, dezembro 05, 2006

In a manner of speaking

Numa maneira de me expressar, tão comum de tão rara que é, silencio-me num sorriso mudo. Corro o cabelo do papel e a caneta cansada da semântica que me confunde e se ri de mim. Imploro-te de lábios selados por um grito infindo, uma palavra calada, morta e ofegante no chão. Uma palavra em que tu pegues devagar, um passarinho caído que voltas a sossegar no ninho, numa manhã opaca e branca de Inverno.
Sem dizeres nada, eu percebo-te. Gostava de aprender a voar como tu, nas bancas rasgadas das ruas do Outono e das castanhas; voar como uma castanha.
Naquela certa maneira, eu gostava de ser como tu e calar-me como um livro. De uma certa forma, gostava que percebesses calado que o meu grito não é assim tão fútil e o meu silêncio é a paz do guerreiro que cai do cavalo. Gostava que percebesses que as minhas palavras são tuas, são teu reino, mandas nelas. Gostava que baixasses sempre o polegar, pois, com a outra mão, tu ias levantar a minha face cansada e o meu queixo senil. A tua sentença de morte é a menina dos teus olhos e o remate à minha esperança. A esperança de veres as palavras que calas nas minhas que grito.
O mundo idolatra-te, orador, porque não dizes uma única palavra.
E porque, quando dizes, elas nada significam para eles.
Só para mim.
Tanto para mim que grito.
Fibonacci

Poder de síntese

Tu.
Quem? Eu?
Não mais de uma palavra.
Palavra e meia.
E nem mais um grito, talvez um olhar.
Palavra e meio olhar e estamos combinados.
Para mim?
Para mim.

domingo, dezembro 03, 2006

Tenho-te saudades

E o pior é que não,
pois não.
Pois posso!
e digo-o e tu ris,
sabes tão bem para quem é.
Claro que estás
redondamente
enganado.
Tão enganado.
Rio do teu engano redondo.
Rio que serpenteia numa tonalidade acre
e doce.
E nas doces margens
pára
para
descansar.
Nunca pensarás que é de
ti
mas tenho-te saudades.
Saudades redondas.
Fibonacci

domingo, novembro 26, 2006

Parêntesis (Paraíso)

«Sinto quente. Muito quente. Estranho calor emana do paraíso, julguei que as chamas alastrassem lá por baixo, mas ao que vejo não. Ou melhor, sim. O calor emana é de mim. E esta claridade escura-me e vejo as minhas palmas azuis, tão frias. Frias não, pouco quentes. Complementaridade de bases. Desvarios absolutos e genéticos. Quente, frio, que é isso do morno! O frio tem o poder do calor. Do teu calor. Do teu calor que me assombra e arrepia. Porque quando tu me pegaste, como folha, folha papel, folha árvore a cair, como folha rasgada tu pegaste em mim e eu perdi-me, espinha abaixo. Imagino imagens sem nexo e coerência lógica. Tão reais, mesmo assim. Passou, foi um sonho real que nem me apercebi. Paraíso. Calor. O Teu. Frio meu, desvario em febre. Pegaste em mim e pegaste-me a febre que não tinhas. Sinto quente. Muito quente. É o paraíso. Não, é a febre.»

de um diário que só li porque estava aberto

Desafio

«O Amor é esquisito.
O Amor não serve para nada.
O Amor escreve-se com letra maiúscula por pura vaidade dos
Românticos que se perdem na Palavra que também leva maiúscula porque,
na Verdade,
não existe.
O Mundo não foi pensado para levar com
Aquele Amor à mistura.
Gosta mais do Amor fácil dos doces Olhos amargos bem
Cerrados.
E falangetas bem abertas.
Aquele Amor nunca serviu para nada.
Só estragou Vidas e construiu Verbos.
Desperdício!
Dão a Vida por Palavras que agora, ao olhar para
Mim
Se calam.
Riem-se.
Berram, histéricas.
Calem-se, ridículas!
Não vêem?
É tão bom o amor assim.
Eu não preciso de vocês, nem das letras grandes,
Nem das grandes letras,
Nem dos gritinhos extasiantes.
Eu danço.
E ele gosta.
Isso é amor.
Com letras pequeninas.
Porque fora da nossa alma
Porque o esboço do espírito
Porque o canto do mudo mundo
Porque o amor não gosta que o vejam
Porque quer que o sintam.»

Não foi Fibonacci,
foi alguém que lhe disse
e, sem dúvida, que concorda.
Que nos perdoe Shakespeare no seu túmulo
que para nós o amor nunca vai ser assim.